De Olho no Mundo, por Ana Prestes
A cientista política e especialista em relações internacionais, Ana Maria Prestes repercute os principais fatos no cenário internacional. Nesta terça-feira (27), o assunto continua sendo os desmandos do governo Jair Bolsonaro que transformou em uma crise diplomática entre o Brasil e a França, enquanto que a floresta amazônica continua em chamas.
Publicado 27/08/2019 10:04
E o Brasil recusou a ajuda financeira do G7 para a Amazonia, apesar do próprio ministro do meio ambiente, Ricardo Salles e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, terem sinalizado positivamente para a acolhida dos recursos. A oferta é de 20 milhões de dólares. Para fazer bonito ao presidente, o Ministro Onyx Lorenzoni, disse à imprensa que “talvez esses recursos sejam mais relevantes para reflorestar a Europa” e seguiu falando que os pronunciamentos de Macron ensejam uma sanha colonialista e imperialista sobre o Brasil. Bolsonaro também falou e disse que não acredita em “ajuda”, que tudo tem um preço e deixou no ar o questionamento sobre o que os europeus almejam com a Amazônia. No fundo, Bolsonaro tem feito um discurso nacionalista, pretensamente anticolonial e anti-imperialista para coesionar um de seus mais importantes pilares de sustentação: os militares. Sua base twitteira também deita e rola com as declarações, apesar de ser formada por antiimperialistas devotos de Trump.
Ainda sobre o discurso governamental anticolonialista, Macron seguiu dando combustível para o debate. Lembre-se que Macron está saindo de um período difícil internamente com as pressões dos Coletes Amarelos e tem aproveitado o ocaso de Merkel para assumir o protagonismo do palco europeu. E Bolsonaro é o inimigo perfeito para ele brilhar de bom moço. Ele afirmou, durante uma coletiva, quando questionado sobre a internacionalização da Amazônia, que esta é “uma questão que se coloca se um Estado soberano toma de maneira clara e concreta medidas que se opõe ao interesse de todo o planeta”. O Brasil se manifestou via seu porta voz: “Sobre a Amazônia brasileira fala o Brasil, suas Forças Armadas, a sua sociedade”. E esta é uma perfeita nuvem, literalmente de fumaça, que paira nas relações internacionais do Brasil, enquanto na vida real a floresta segue em chamas.
E o embate com Macron não parou por aí. Ontem (26) o presidente francês revidou a ofensa de Bolsonaro à sua esposa, feita através de um comentário em uma postagem de internauta bolsonarista e ofensiva a Brigitte Macron no facebook. Segundo Macron, as mulheres brasileiras devem estar neste momento envergonhadas das palavras do presidente e que o povo brasileiro merece um presidente que saiba se portar à altura do cargo. Mas o melhor do vídeo que circulou com essa fala de Macron é ver ao seu lado o presidente chileno, Sebastian Piñera, tendo que acenar a cabeça e concordar. Macron e Piñera estavam neste momento juntos em uma coletiva de imprensa para anunciar a vinda de recursos europeus para a crise sulamericana na região amazônica, que inclui Brasil, Bolívia e Paraguai.
Sobre a crise diplomática Brasil – França, lembre-se que o Brasil tem prevista a construção e a transferência de tecnologia de um submarino francês de propulsão nuclear, como parte do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub). A construção está prevista para começar em fevereiro de 2020, com prazo de conclusão para 2029, sendo que a transferência de tecnologia teve início lá atrás em 2008, como bem lembrou Matheus Leitão em seu blog.
É óbvio que com tanta exposição de “gentilezas” de parte a parte, quem sai machucado na real é o Brasil, sua imagem e suas relações internacionais. Sobre isso, disse ontem (26) Rubens Ricúpero no O Globo: “o Brasil vive a mais grave crise de imagem nos últimos 50 anos. Nem no governo militar assistimos um movimento em que todos os noticiáiros internacionais focalizassem a Amazônia como primeira notívia, com declarações de presidentes, jogadores de futebol, atores de cinema, chefes da ONU. Depois das diversas declarações od governo, em tom de ataque a países e líeres que pediram soluções para a questão ambiental brasileira, a situação no exterior ficou muito complicada. Como o mandato do atual governo ainda tem mais três anos, a não ser por milagre, não vejo possibilidade de recuperação da imagem.”
A preocupação não é só do experiente diplomata Ricúpero, é também do próprio governo. Ontem (26) o chanceler Ernesto Araújo anunciou sua decisão de suspender as férias de todos os embaixadores do Brasil na Europa e demais países do G7 pelos próximos 15 dias para servirem de bombeiros do fogo posto nas relações internacionais brasileiras, causado por seu presidente incendiário. A maior preocupação é a não ratificação do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. A orientação de Brasília é “abafar o caso” com o discurso de que as queimadas são normais nesta época do ano e que já estão sob controle. Se a gente pensa que ser diplomata na era Bolsonaro é difícil, imagina tendo que abrir mão das férias.
Presidentes da Colômbia e Peru discutem hoje (27) a proposta de um pacto regional de conservação da Amazonia, que integre todos os países da região amazônica, a ser apresentado em breve à ONU.
Apesar da cena toda, o que o G7 discutiu pra valer em sua última cúpula não foi a crise sulamericana da Amazônia. Inclusive, durante o debate desse tema específico, Trump estava ausente da mesa redonda formada para acomodar os líderes dos países ricos. Os temas quentes foram Irã, Brexit e embate comercial entre EUA e China. Quanto ao Irã, cujo petróleo os europeus querem continuar consumindo, o presidente francês foi ousado, recebeu o chanceler Javad Zarif em Biarritz em reuniões paralelas ao G7. Merkel e Johnson também estiveram com ele. Quanto ao Brexit, continua “hopeless”, pois os europeus não querem renegociar, Johnson quer sair do bloco sem acordo mesmo, mas a tendência no parlamento britânico é não aceitar uma saída abrupta, sem acordo.
A crise em Hong Kong continua e tensa. Manifestantes têm denunciado repressão violenta e que no domingo contou inclusive com alertas por disparo de armas de fogo, por sua vez, a política relata que os manifestantes estão extremamente violentos. Lojas, especialmente as administradas por chineses continentais, tem sido alvo de ataques dos manifestantes.
Em 2013, sob o Governo Dilma, o Brasil comprou 36 caças Gripen dos suecos. O valor da compra foi da ordem dos 4 bilhões de dólares. Pois ontem (26), foi feito o vôo de estreia da primeira aeronave já montada em Linkoping, na Suécia. A velocidade que pode ser atingida pelos caças é superior a duas vezes a velocidade do som, segundo revistas especializadas. A compra possibilitou também transferência de tecnologia e seis empresas brasileiras participaram da montagem dos caças. A montagem das 15 unidades restantes será em solo brasileiro.
Na Itália, o presidente Sergio Mattarella quer evitar novas eleições e deu um prazo até amanhã (28) para que o 5 Estrelas forme uma coalizão com o PD (Partido Democrata). A ideia é reconduzir Giuseppe Conte ao posto de primeiro ministro, que ele abandonou diante da crise provocada por Matteo Salvini, da Liga. Recentes pesquisas de opinião apontam Conte como um nome com apoio popular. Ele foi alçado do anonimato para assumir a chefia do governo após meses de negociações entre a Liga e o 5 estrelas, os mais votados das eleições de 2018. O grande derrotado se Conte voltar será o extremista e xenófobo Salvini.