Bolsonarismo: A tragédia resultante da farsa de 2016

 A estudante de Economia e presidenta do PCdoB de Três Pontas, Gislene Alexandre, escreve artigo onde analisa os golpes brasileiros a partir da leitura marxiana. 

No livro 18 de Brumário de Luís Bonaparte Marx considerou que os acontecimentos se repetem duas vezes, sendo a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.

A obra analisa a Revolução Francesa que durou 10 anos, perpassando pelo episódio que ficou conhecido como Queda da Bastilha e terminou com o golpe de Estado de Napoleão, denominado 18 de Brumário. Com o golpe de Estado, Napoleão assume o poder e dá início a uma era de conquistas militares e guerras conquistando novos territórios, aumentando um senso de nacionalismo que animava o povo.

Em 1848, através de nova revolução, a França promulga uma nova Constituição. Com eleições estabelecidas o vencedor foi o sobrinho de Napoleão, Luís Bonaparte. Com amplo apoio da sociedade francesa, Luís Bonaparte governou por quatro anos e no momento de realizar novas eleições, tal qual seu tio, Luís deu um golpe de Estado para se manter no poder. O apoio da sociedade permanecia e, assim, conseguiu instituir um sistema imperialista sem objeções da população.

Marx explica como o Governo manobrou a população para que se rebelasse contra um instrumento constitucional que a representava e propõe uma reflexão acerca da divisão da democracia em democracia burguesa e democracia popular, pois a participação popular é restrita e para que houvesse a verdadeira democracia seria necessário que se extinguisse o núcleo que tem poder de decisão sobre a vida dos demais. O proletariado que constantemente é deixado de lado na luta pelo poder pode ser usado como base de sustentação para validar o poder da classe dominante. Gramsci chamou de crise de hegemonia.

Marx aponta que a nova Constituição apresentava falhas e contradições que a enfraqueciam perante um golpe como o que ocorreu. Falhas estabelecidas pelos criadores que já se organizavam para mudar as coisas derrubando o documento pois a classe dominante apenas aceitaria uma democracia tão somente se seus direitos estivessem garantidos.

Um golpe de Estado se caracteriza quando um grupo usurpa o poder legitimamente estabelecido podendo ocorrer de diversas maneiras.

O cenário brasileiro apresenta um histórico de golpes. Getúlio Vargas assumiu o poder após liderar a Revolução de 1930. Fechou o Congresso Nacional em 1937 e instaurou o Estado Novo, perseguiu opositores políticos, principalmente, partidários e simpatizantes do socialismo, entretanto também ficou conhecido por importantes realizações no campo do direito trabalhista como a criação da CLT, um modo de fazer antes que o povo faça e assim legitimar seu governo. Em 1945 sofre um golpe militar, porém retorna ao poder em 1950 através do voto popular (BRASIL, 2005).

O ano de 1964 contou com grandes manifestações “da família com Deus pela liberdade” que prepararam o terreno para o golpe contra o presidente João Goulart; sob a alegação de impedir um golpe comunista que se aproximava. Em 2016 multidões que se intitulavam patrióticas se mobilizaram para exigir a destituição da presidenta Dilma, em alguns casos chegando a pedir o retorno dos militares. Distante do retrato do povo brasileiro cuja maioria é negra e pobre, uma multidão formada essencialmente por brancos de classe média, foi convencida pela mídia de estavam combatendo a corrupção.

O golpe de 1964 segundo Lowy (2016) foi uma tragédia que mergulhou o Brasil em anos de ditadura militar com torturas e mortes; e o golpe de 2016 uma farsa onde parlamentares reacionários e notoriamente corruptos derrubaram uma presidente democraticamente eleita, em nome de suas religiões e famílias, exibindo um espetáculo em TV aberta.

Temer assume o poder e diferentemente de Vargas que adotou medidas populistas para a consolidação do golpe e diferentemente também dos militares de 1964 que usaram todo o poder repressivo torturando e matando seus opositores, começa a aprovar medidas antipopulares mesmo em cenário onde a população sai às ruas para protestar, sem se preocupar com aprovação da população e contando com a manipulação da mídia para reduzir todas as manifestações a fatos isolados, o governo golpista de Michel Temer aprova a proposta de emenda constitucional 55 que congela investimentos por 20 anos, e aprova as reformas trabalhista e do ensino médio.

Nesse cenário surge a figura de novos movimentos que se intitulam anticorrupção sob a palavra de ordem: “Deus, pátria e família” para validar o golpe, culpar novamente a “ameaça comunista” de causadora de todos os problemas, legitimando assim a perseguição aos movimentos sociais, partidos e agentes políticos com ideais progressistas de igualdade social. Esta foi uma parte do golpe comum aos demais golpes citados. Tão comum que ao referenciar o próprio Marx nos trechos a seguir, seria difícil distinguir de que época se trata.

Durante o mês de junho, todas as classes e todos os partidos se uniram no Partido da Ordem contra a classe proletária, considerada o partido da anarquia, do socialismo, do comunismo. Eles “salvaram” a sociedade dos “inimigos da sociedade”. O lema repassado por eles às suas tropas consistia nas palavras-chave da antiga sociedade: “Propriedade, família, religião, ordem” … (MARX, 2011. CAP. 1, p. 36)

 

Não se conseguiu explicar ainda como uma nação de 36 milhões de habitantes pôde ser surpreendida e entregue sem resistência ao cativeiro por três cavalheiros de indústria.” (p. 32)

           As citações se referem à França de 1848 a 1851, sobre o discurso religioso e patriótico, a incitação ao medo de uma ameaça comunista e a perplexidade de se pensar em um país assistindo passivamente ao golpe de um grupo contra a democracia, entretanto, cabe muito bem no contexto brasileiro porque o golpe continua com a eleição de um extremista nefasto sob o slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” que além de continuar o pacote neoliberalista de destruição da soberania nacional começado por Temer, inicia uma era que criminaliza o conhecimento científico e aposta em dar voz à mentiras, deboches e incitação à violência enquanto os ministérios trabalham nos bastidores no projeto de precarização do trabalho, criminalização do pobre e venda descarada das estatais. Essa é a era do “Bolsonarismo”, cuja nem mesmo os mais atentos democratas e marxistas foram capazes de prever.

 

REFERÊNCIAS:

BRASIL, História do. Getúlio Vargas- Era Vargas. História do Brasil.net. 2005. Disponível em: https://www.historiadobrasil.net/getuliovargas/ . Acesso em: 15 de junho de 2018.

DIÁRIO, E. Retrospectiva 2016: As ocupações estudantis que sacudiram o Brasil. Esquerda diário, dez. 2016. Disponível em:http://www.esquerdadiario.com.br/Retrospectiva-2016-As-ocupacoes-estudantis-que-sacudiram-o-Brasil. Acesso em: 13 de junho de 2018.

LOWY, M. O golpe de Estado de 2016 no Brasil. Biotempo, maio de 2016. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2016/05/17/michael-lowy-o-golpe-de-estado-de-2016-no-brasil/. Acesso em julho de 2018.

MARX, K. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo editorial, 2011.

MIRANDA, I. Althusser, Louis. Aparelhos ideológicos de estado. Rio de Janeiro: Graal,1992,128 páss. Cadernos de Linguagem e Sociedade, 3 (1) 1997