Não à farra: Movimento luta contra o ensino a distância para professor

A proliferação do ensino a distância (EaD) nos cursos de pedagogia e a falta de ação do Ministério da Educação (MEC) para coibir isso é hoje o sinal mais preocupante das políticas públicas na área, diz Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação. “A melhor política para educação básica que o MEC pode fazer é a formação inicial dos professores.”. Segundo ela, o EaD está “estrangulando” o País ao despejar profissionais despreparados nas redes de ensino.

Priscila Cruz, do Todos pela Educação

Priscila afirma que, hoje, mesmo os cursos de pedagogia presenciais estão longe de formar adequadamente os professores. “20% dos alunos que vão para cursos de pedagogia e licenciatura têm nota entre 450 e 500 no Enem. Não poderiam nem ter diploma de ensino médio”.

Na opinião da líder do Todos pela Educação, a modalidade a distância deveria ficar restrita aos cursos essencialmente teóricos. “Falava-se muito sobre a farra do Fies, certo? Para mim, a farra mais forte hoje é a do EaD nas universidades privadas que estão formando professor”, afirma Priscila.

Ela explica que, hoje, o país erra em todas as etapas da carreira de professor. “Você está atraindo mal os alunos para um curso com péssimo currículo, a distância, sem prática nenhuma, e esse professor acaba indo parar na rede de ensino”, afirma. Para reverter esse cenário, ela defende duas medidas.

“Primeiro, colocar para funcionar um dispositivo que já está na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – que é nota de corte no Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] para ingresso na licenciatura”, diz. O segundo passo é avançar na criação de uma base docente, um marco regulatório para explicitar o que devem aprender os futuros professores.

Parte desse gargalo começou a ser desatado no fim do ano passado, ainda na gestão de Rossieli Soares no MEC, e avançou nas últimas duas semanas. O Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão ligado à pasta que cuida do arcabouço normativo da educação pública, pôs em consulta pública a minuta das diretrizes para a formação de docentes. Entre as mudanças, está a exigência de inclusão de residência na carreira, como já acontece hoje em cursos como medicina, prática que seria diluída nos quatro anos de graduação.

Depois de recebidas as sugestões, o CNE vai reescrever o documento e encaminhá-lo, então, ao Ministério. “Com isso, o MEC estaria dizendo às universidades que, para ter um curso de pedagogia, alguns parâmetros devem ser garantidos e as instituições serão cobradas por isso no futuro”, diz. Apesar das sinalizações positivas do documento apresentado pelo CNE, não há nenhuma diretriz que aborde a expansão do EaD.

Mudar a carreira de professor também passa por uma revisão geral das regras do funcionalismo. De acordo com Priscila, o indicado é atrelar a progressão ao desenvolvimento das competências do docente, como fazem os países bem-sucedidos nisso – Austrália, Chile e Reino Unido, por exemplo. Hoje, o tempo de serviço e as titulações estão entre os principais critérios para avanço na carreira docente.

Mesmo que se avancem nos aspectos burocráticos dessa e de outras iniciativas, Priscila vê com ceticismo a chance de mudanças relevantes na educação por causa da retórica contundente do ministro Abraham Weintraub. “Hoje, temos um ministro que briga com universidade, com aluno. Ele minou a legitimidade para fazer esse tipo de mudança.”

A seu ver, uma consequência dessa postura é que o MEC perdeu protagonismo na execução das políticas educacionais e o que existe hoje de avanço ocorre por aproximação entre estados e municípios. “Se o governo federal seguisse o lema deles, que é ‘Menos Brasília, Mais Brasil’, ele iria fazer uma gestão pautada por parâmetros educacionais mais altos e apoio a estados e municípios na direção das políticas que você tem uma evidência forte de resultados educacionais”, afirma Priscila.

Outro tema crucial para as políticas públicas que deve ganhar atenção nos próximos meses é a renovação do Fundeb, principal fonte de financiamento para a educação básica e cuja reformulação precisa ser aprovada pelo Congresso em 2020. Em tramitação na Câmara Federal, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da relatora Dorinha Seabra (DEM-TO) prevê elevar de 10% para 40% a complementação da União ao Fundeb, medida que é considerada fiscalmente inviável pelo governo federal.

Por essa sugestão, passaria de R$ 15 bilhões para R$ 60 bilhões o repasse da União. O Todos pela Educação defende passar a complementação de 10% para 15%, com objetivo de tirar 40% dos municípios de um estágio de subfinanciamento crônico da educação. O percentual é o mesmo que defende o MEC.

Nesse grupo de municípios, investe-se menos de R$ 4,3 mil por aluno ao ano, condição em que, mesmo com boa gestão dos recursos, é inviável atingir bons níveis de aprendizagem. “O primeiro passo é ser mais redistributivo, evitar as distorções, acabar com o subfinanciamento e ter regras para induzir mais qualidade no uso desse dinheiro”, afirma ela.

Para isso, é preciso migrar do modelo atual (que distribui a complementação a partir das receitas estaduais) para um sistema que observe cada município da federação. Se houver espaço fiscal para ir além dos 15% de complementação, Priscila sugere atrelar isso a indicadores de qualidade.

Para ter acesso aos recursos extras, as redes teriam de mostrar evolução em métricas a serem definidas em lei de regulamentação a ser debatida após aprovação da PEC do Fundeb. “Criar camisa de força para gestão na ponta na Constituição não é o tema.” Mas um possível obstáculo para avançar no debate sobre o Fundeb é a forte polarização que acomete o país, destaca Priscila.

“A turma que defende que é preciso mais recursos para educação olha para a turma da gestão como inimiga e vice-versa. E, no fim das contas, a gente precisa é das duas coisas combinadas”, diz ela. “O discurso por mais recursos sem olhar para o resultado final é populista e vazio.”

Segundo ela, também existe uma confusão sobre o que é priorizar as políticas públicas para a área. “De vez em quando alguns economistas falam ‘mas já tem prioridade, já investimos 6% do PIB em educação’. Mas isso significa que temos um esforço fiscal grande, não que estamos priorizando educação.”