Publicado 12/10/2019 14:17
A formação da sociedade brasileira foi marcada pelas desigualdades sociais, étnico-raciais e de gênero, que permanecem muito presentes. Nos mais de trezentos anos de escravidão, o predomínio de uma elite agrária, como grupo social dominante, produziu profundas violências para as mulheres, especialmente para as mulheres negras e indígenas. O Brasil foi palco do escravismo colonial. Cerca de quase 40% do total de africanos traficados , foram trazidos para o Brasil. As mulheres negras fazem parte de um contingente de mulheres que trabalhou durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendendoras, quituteiras. As lideranças femininas ligadas as comunidades de terreiro e quilombolas também vem contribuindo para a valorização do passado mítico e dos laços culturais de origem afrobrasileira..
Da colonização escravista aos dias de hoje, o embricamento classe, gênero e raça- etnia permeia o mundo do trabalho.
As mulheres sempre trabalharam, mas esse trabalho não é necessariamente visível e reconhecido. O assalariamento torna a atividade laboral das mulheres visível e quantificável. O trabalho feminino é um fio condutor para ler o lugar das mulheres na sociedade, em todas as sociedades contemporâneas. O ingresso da mulher no mercado de trabalho formal significou um grande avanço. Mas essa inserção é marcada pela desigualdade , pela sobrecarga doméstica e o cuidado com as pessoas. A questão em pauta é como superar o estereótipo do provedor homem e da cuidadora mulher, num mundo real em que homens e mulheres são provedores e cuidadores. Cabendo o destaque , é claro, de que a mulher passou a ser provedora, (cerca de 45% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres, segundo o IBGE), mas os cuidados continuam de sua maior responsabilidade.
Segundo dados da OIT (OIT,2018), a taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho no mundo era de 48,5%, em contraposição a taxa de 71,3% dos homens.. Ainda segundo dados da OIT, o afastamento das mulheres do mercado de trabalho, na forma de desemprego, não tem mostrado sua saída definitiva do mercado. A tendência do ingresso remunerado no mercado permaneceu, mas com as seguintes características:
1 – trabalhos mais precários em termos de estabilidade;
2 – redução de ganhos salariais nas mesmas atividades
3 – intenso movimento de demissões e readmissões sem garantias de direito
4 – tendência à elevação das jornadas laborais;
5 – tendência ao desaparecimento de ganhos fixos, ainda que mínimos e crescimento da modalidade de ganhos dependendo das horas trabalhadas;
6 – crescimento da terceirização do trabalho por parte das empresas, que não querem mais arcar com custos trabalhistas.
Hoje a questão não se coloca apenas entre as que não trabalham e as que trabalham , mas focar nas tensões no campo de trabalho, analisando a relação entre condições de trabalho e renda ´É nesse sentido que Helena Hirata tem afirmado: Em primeiro lugar, a evolução do emprego desmente a tese do “exército industrial de reserva” segundo a qual as mulheres são mobilizadas quando o capital necessita delas e voltam para a” reserva” ( a esfera doméstica) quando se instaura a concorrência entre os sexos pelo emprego assalariado. Segundo Helena H. As taxas de atividade masculina estagnam ou decrescem, enquanto que as taxas de atividade feminina crescem durante o período de expansão e continuam a crescer durante a crise em praticamente todos os países industriais. Em segundo lugar, afirma Hirata, observa-se no último período um crescimento simultâneo da taxa de atividade feminina e da precariedade do emprego., seja pelo aumento do trabalho precário dito em” tempo parcial” – caso do Japão e França – , seja pelo aumento do trabalho informal (“sem registro em carteira”) – no caso do Brasil. Nesse sentido, a emergência de “uma nova figura salarial feminina” contrasta com a tese do exército industrial de reserva, que subestima a complexidade dos movimentos da mão de obra feminina e minimiza a subjetividade das trabalhadoras, cuja vontade de permanecer numa atividade remunerada, a despeito da penúria geral de emprego, não poderá deixar de afetar as relações sociais de gênero.
Conclui Helena Hirata: As mulheres são as primeiras vitimas desse paradoxo do crescimento do emprego feminino na crise: menores salários, maior instabilidade, condições de trabalho acumulado trabalho doméstico e profissional, maior desemprego, com impactos previsíveis sobre sua saúde. Desde as doenças de hipersolicitação como a LER, passando pelas “descompensações psíquicas”, até o” isolamento social”, com a introdução maciça da informática e telemática.
No Brasil, a taxa de atividade das mulheres atinge mais de metade da população feminina economicamente ativa. A taxa de emprego de pessoas acima de 15 anos, mesmo diante da década de declínio para o mundo, ampliou-se para as mulheres até 2014 e iniciou sua queda a partir daí, enquanto que para os homens a queda teve início em 2011. A crise econômica brasileira se instala a partir de 2014 e então reproduz a equação já estabelecida de penalizar mais as mulheres.
Enfrentamos uma crise econômica estrutural , onde ainda paira a ameaça neoliberal de redução do papel do estado na economia e nas políticas públicas, com o aumento do desemprego, das guerras e atentados terroristas. Vários estudos apontam que a crise bancária, a crise econômica propriamente dita e a crise social, redundaram em movimentos de precarização das condições de vida e de desemprego que afetaram desigualmente a mão de obra masculina e feminina.
As consequências da privatização, da diminuição da proteção social , da redução dos serviços públicos.. significaram não apenas a diminuição do trabalho decente para mulheres e homens, mas também a exploração crescente do trabalho gratuito das mulheres na esfera doméstica e familiar.
Hoje, o Brasil é sacudido pela crise econômica. Diante do golpe e da ofensiva conservadora, contra o estado de direito e a imposição de uma reforma trabalhista e previdenciária contra os trabalhadores, a resistência democrática se faz presente. A luta das brasileiras cresce contra a ofensiva conservadora que quer retirar conquistas importantes no terreno dos direitos sexuais e direitos reprodutivos, e das políticas públicas de gênero no geral.
O acesso da mulher ao trabalho em condições de igualdade ganha relevância num país como o Brasil, onde a miséria e a pobreza atingem milhões, e onde sobretudo as mulheres sofrem com a ausência de maior qualidade de vida (moradia,saneamento, transporte, serviços básicos de qualidade). Não há dúvida de que são as mulheres com menor remuneração que enfrentam em maior grau a dupla jornada de trabalho.
No Brasil houve um aumento significativo da participação feminina no mercado de trabalho nos últimos 20 anos. Se em 1995, 54,3% das mulheres de 16 anos ou mais se encontravam ativas, ou seja, empregadas ou à procura de empregos., esse índice chegou a 58,5% em 2008. Mas se o nível de atividade das mulheres aumentou ainda é bastante inferior ao verificado para os homens (81,7%, em 2008). Por outro lado, a taxa de desemprego masculino foi de 5,2% em 2008, a feminina atingiu 9,6%, o que representa um contingente de 1,2 milhão de mulheres desempregadas em comparação aos homens.
Além disso, dados do PNAD informam a cada ano que as diferenças salariais permanecem. Em média, a remuneração feminina corresponde a 70% da masculina. E as mulheres negras 50%. Bem como o acesso a profissões qualificadas ainda é dificultado para as mulheres, e o trabalho informal ainda é maior entre as mulheres. Ou seja 52% das trabalhadoras estão na informalidade. Significa dizer que mais da metade das trabalhadoras não tem direito à proteção social. O fator das responsabilidades familiares recaírem mais sobre as mulheres reforçam a segregação ocupacional feminina, para atividades precarizadas que são mais flexíveis , de tempo parcial, ou realizadas a domicílio.
As demandas das trabalhadoras
O investimento público é fundamental para enfrentar essa situação, não pode ser responsabilidade da mulher ou de sua escolha pessoal. O serviço público tem de enfrentar a questão das creches e escolas de tempo integral. A ampliação dos espaços de qualificação tornou-se uma urgência Os editais de concurso de profissões tradicionalmente masculinas, precisam indicar a participação das mulheres. A exigência de acesso a crédito para o empreendedorismo feminino. A criação de equipamentos sociais que contribuam para aumentar o tempo disponível das mulheres. Ampliação das Políticas de previdência social para as mulheres e seu maior acesso à documentação civil. Criação de mecanismos institucionais para barrar qualquer relação de trabalho discriminatória em razão de sexo, raça-etnia, orientação sexual, geração ou deficiência ,com equidade salarial e no acesso a cargos de direção. Estes os sonhos das trabalhadoras .
A ação sindical, deve dar mais suporte às Secretarias da Mulher. O Coletivo Margaridas do Sindicato dos Comerciários do Rio aponta um novo formato que reforça
o avanço das trabalhadoras.
* Ana Rocha é jornalista e psicóloga, mestra em Serviço Social no tema trabalho da mulher, coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisa da União Brasileira de Mulheres (UBM) do Fórum Nacional de Mulheres do PCdoB, foi Secretária da Mulher da Prefeitura do Rio de Janeiro. Hoje é Secretária Estadual da Mulher do PCdoB-RJ e assessora de gênero do Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro
Referências Bibliográficas:
1 – Trabalhadoras da FAET – Condições de Trabalho e sobrecarga doméstica
Ana Rocha – Editora Anita – SP
2 – Gênero , Família e Trabalho no Brasil do Século XXI : Mudanças e Permanências
Clara Araújo, Andrea Gama, Felícia Picanço, Ignácio Cano
Gramma Editora – RJ
3 Gênero e Trabalho no Brasil e na França : perspectivas interseccionais
Alice Rangel de Paiva Abreu, Helena Hirata, Maria Rosa Lombardi
Boitempo Editora RJ
4 – Feminismo para os 99%, um Manifesto
Cinzia Arruzza
Tithi Bhattacharya
Nancy Fraser
Boitempo Editora – RJ