Fábio Palacio – Lênin e os impasses da democracia liberal

Os ensinamentos de Lênin atualizam-se em face do recrudescimento de tendências fascistizantes que testemunhamos hoje. É quando se esfumam as ilusões de classe acerca da “universalidade” da democracia burguesa. Esse republicanismo ingênuo – que tantas vezes já acometeu forças de esquerda – tem na obra leninista um eficaz antídoto.

Lênin

A Boitempo acaba de lançar um novo livraço da coleção Arsenal Lênin. Democracia e luta de classes reúne uma seleção inédita de sete textos escritos pelo pensador e dirigente revolucionário russo entre 1905 e 1919, cujo enfoque é a relação primordial entre o escopo das classes na sociedade e o conceito de democracia – elucidada, em síntese, na defesa da ditadura do proletariado. Com organização e apresentação de Antonio Carlos Mazzeo, a edição, aos cuidados de Carol Mercês, conta com traduções feitas diretamente do russo por Paula Almeida e do coletivo das Edições Avante!, além de textos de orelha de Fábio Palácio, reproduzida abaixo. Para o leitor atual, a obra traz ao presente a discussão sobre o perigo da demagogia por trás da defesa da “democracia pura” e de seus valores “universais”, como liberdade e igualdade. O maior revolucionário do século XX não nos deixa esquecer que “para a burguesia, é lucrativo e necessário encobrir do povo o caráter burguês da democracia burguesa”; como nos ensina Lênin, para falar de democracia, é preciso falar antes de luta de classes.

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Por Fábio Palácio

Lênin foi um pensador singular. Dotado de viscerais convicções revolucionárias, mas também de um materialismo terrenal, soube como poucos unir teoria e prática. Seus estudos e elaborações, longe de terem caráter puramente livresco, são arma de combate a serviço da transformação social.

Esses predicados refletiram-se na morfologia da obra leninista. Profundamente ligada às exigências da luta política, ela se espalha por um sem-número de livros, artigos, discursos, missivas e relatórios. Coletâneas como Democracia e luta de classes contribuem para superar esse traço de dispersão, colocando a obra do líder bolchevique ao alcance do grande público. Tanto mais apropriado que isso se dê por meio de traduções diretas do russo, algumas inéditas no Brasil.

O livro que o leitor tem em mãos trata dos impasses das modernas repúblicas liberal-burguesas. Distanciadas dos anseios do povo, elas exercitam uma democracia de fachada, que garante autêntica liberdade apenas aos ricos, deixando à maioria da população o ônus de pesadas restrições sociais, econômicas, políticas e culturais, mal encobertas pela fraseologia oca do liberté, égalité, fraternité.

Ao desnudar a essência de classe dos Estados liberais, Lênin sustenta que, a fim de superar seus estreitos limites, é necessário um regime de aliança das várias camadas de trabalhadores – a chamada ditadura do proletariado. O novo sistema não almeja o mero aprofundamento da democracia burguesa, mas, principalmente, a subversão de seu caráter parcial e formal, em direção a um Estado capaz de promover o bem-estar e a ampla participação das massas trabalhadoras.

Os ensinamentos de Lênin atualizam-se em face do recrudescimento, em todo o mundo, de tendências fascistizantes, que apostam na coação aberta como método. É quando se esfumam as ilusões de classe acerca da “universalidade” da democracia burguesa. Esse republicanismo ingênuo – que tantas vezes já acometeu forças de esquerda – tem na obra leninista um eficaz antídoto.

Diante de tudo, este não é um livro datado, de interesse meramente histórico. Esta nova iniciativa editorial da Boitempo contribui para alumiar os dilemas contemporâneos de nossa frágil experiência democrática.

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Fábio Palacio é jornalista e professor adjunto do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).