Manuela defende unidade contra Bolsonaro nas eleições municipais

A ex-deputada do PCdoB acredita que “as eleições municipais vão jogar um papel muito grande na construção da resistência ao governo Bolsonaro”

Por Marco Weissheimer, do Sul21

Foto: Giulia Cassol/Sul21

Na noite de segunda-feira, dia 18 de novembro, Manuela D’Ávila participou de um assembleia popular com moradores da Lomba do Pinheiro, um dos bairros mais populosos de Porto Alegre, localizado na região leste da cidade. Organizada em conjunto com o deputado estadual Edegar Pretto (PT), com a Rede Soberania, o jornal Brasil de Fato RS e o Conselho Popular da Lomba do Pinheiro, a assembleia procurou ouvir moradores sobre os principais problemas enfrentados na região e dialogar com lideranças políticas de partidos e movimentos sociais tendo em vista a construção de uma frente o mais ampla possível e de um programa para as eleições municipais de 2020. A iniciativa exemplifica o tipo e a dinâmica de campanha que Manuela pretende imprimir caso seja confirmada sua candidatura à Prefeitura de Porto Alegre.

Faltando pouco menos de um ano para as eleições municipais de 2020, a ex-deputada federal do PCdoB e candidata a vice-presidente na chapa de Fernando Haddad, nas eleições presidenciais de 2018, fala, em entrevista ao Sul21, da sua disposição em concorrer à Prefeitura da capital gaúcha. Manuela conta que esteve reunida, recentemente, com o PT e o PSOL, para conversar sobre a eleição do ano que vem. “Disse a eles que tenho disposição de concorrer à Prefeitura de Porto Alegre se esses partidos considerarem que o meu nome é aquele que reúne melhores condições de aglutinar mais setores da sociedade civil e de partidos políticos para vencer as eleições”. E acrescenta: “Eu não quero que o meu nome seja um obstáculo à aglutinação de forças políticas, mas, se esses partidos considerarem que o meu nome pode aglutinar mais atores e setores sociais, estou à disposição da minha cidade”.

Manuela D’Ávila propõe a realização de um Congresso da Cidade, que reúna não só partidos, mas a sociedade civil, para debater a construção de um programa e de uma frente unitária para disputar a Prefeitura. “Eu acredito na nossa unidade em Porto Alegre. Acho que os nossos partidos, o PCdoB, o PT e o PSOL, devemos nos sentar para conversar, junto com a sociedade civil, em busca dessa unidade. Eu tenho defendido a construção de um congresso da cidade, um espaço onde o debate ocorra não só entre os partidos. Não existe mais espaço para só os partidos debaterem entre si, sem a participação da sociedade civil”, defende.

Assembleia popular realizada na Lomba do Pinheiro, na noite de segunda-feira. (Foto: Leandro Molina/Divulgação)

Sul21: A cerca de um ano das eleições municipais de 2020, o teu nome aparece liderando pesquisas para a Prefeitura de Porto Alegre. Além disso, é citada como uma candidatura capaz de encabeçar uma frente de esquerda e setores de centro-esquerda com reais chances de vitória. Como está vendo esse tema?

Manuela D’Ávila: As pesquisas, na minha interpretação, demonstram duas coisas. Em primeiro lugar, mostram que o meu nome tem uma força considerável na cidade de Porto Alegre e sou muito grata a isso. Mas acredito que o principal aspecto que deve ser analisado nas últimas pesquisas é que, quando nós estamos juntos, a nossa força é muito maior na cidade de Porto Alegre. Esse é, para mim, o principal recado que essas pesquisas trazem.

Eu estive reunida, recentemente, com o PT e o PSOL e disse a eles que tenho disposição de concorrer à Prefeitura de Porto Alegre se esses partidos considerarem que o meu nome é aquele que reúne melhores condições de aglutinar mais setores da sociedade civil e de partidos políticos para vencer as eleições. Eu não quero que o meu nome seja um obstáculo à aglutinação de forças políticas, mas se esses partidos considerarem que o meu nome pode aglutinar mais atores e setores sociais estou à disposição da minha cidade.

Precisamos ter em mente que as eleições municipais vão jogar um papel muito grande na construção da resistência ao governo Bolsonaro. Eu fico um pouco preocupada quando não vejo as forças progressistas se movimentarem muito fortemente em relação às eleições municipais. As pessoas enfrentam o desmonte das políticas públicas nas cidades. O fim do SUS aparece nas cidades, a não renovação do FUNDEB aparece nas cidades e assim por diante. O bolsonarismo se materializa na vida das pessoas nas cidades. Ao mesmo tempo, a construção de uma alternativa ao bolsonarismo deve se dar nas cidades. Não existe melhor momento para construirmos isso do que nas eleições municipais. Se nós defendemos a unidade das forças da mudança e da resistência, devemos construí-la também na próxima eleição municipal.

“Não existe mais espaço para só os partidos debaterem entre si, sem a participação da sociedade civil”. 
(Foto: Giulia Cassol/Sul21)

Há um debate nacional hoje no campo progressista onde todos defendem a necessidade de construção de uma sólida unidade para enfrentar o governo Bolsonaro. Como vê as chances dessa unidade se materializar em uma candidatura única em Porto Alegre?

Eu já defendia isso em 2018. Por isso, nós do PCdoB, retiramos a minha candidatura presidencial para construir a unidade possível naquele momento. Mais uma vez eu me coloco dessa maneira. Eu acredito na nossa unidade em Porto Alegre. Acho que os nossos partidos, o PCdoB, o PT e o PSOL, devemos nos sentar para conversar, junto com a sociedade civil, em busca dessa unidade. Eu tenho defendido a construção de um congresso da cidade, um espaço onde o debate ocorra não só entre os partidos. Não existe mais espaço para só os partidos debaterem entre si, sem a participação da sociedade civil. O congresso da cidade seria esse espaço para debater um programa para Porto Alegre e chegarmos a uma fórmula democrática para construir a unidade. Se essa fórmula for a realização de primárias ou prévias, ok, que seja assim. Se a sociedade civil e os partidos chegarem a outro formato, que seja esse outro formato. O que nós não podemos conceber, na minha interpretação, é a possibilidade de, diante do desmonte de um conjunto de políticas públicas tão importantes na nossa cidade e de ameaças tão grandes à democracia no Brasil, não estarmos juntos.

O desmonte de políticas que você referiu já está tendo um impacto expressivo na vida das cidades. Esse cenário promete tornar a vida dos futuros prefeitos e prefeitas muito mais difícil do que já é. Como governar uma cidade como Porto Alegre numa conjuntura como essa?

Olívio foi prefeito em 1989 em uma conjuntura muito difícil, da mesma que os governadores do Nordeste, agora, estão governando em uma conjuntura muito difícil. Eles construíram um instrumento jurídico novo para captar recursos internacionais e buscar alternativas para garantir o desenvolvimento de sua região. Nós temos experiências para nos inspirar, portanto. No passado, Porto Alegre buscou construir alternativas dentro de um país que não se desenvolvia. Eu cito o nome do Olívio para referenciar de que tempo histórico estamos falando. O início da nossa experiência de governar Porto Alegre, no final da década de 80, se deu no contexto de um país estagnado, sem desenvolvimento. Agora, o Nordeste brasileiro enfrenta essa mesma situação. Vive, ao mesmo tempo, a crise econômica brasileira e a retaliação política de Bolsonaro, o que leva à busca de diversas alternativas de financiamento pelo mundo. Agora mesmo os governadores do Nordeste estão em uma missão internacional em busca de investimentos para garantir a continuidade de políticas importantes para o povo nordestino.

“Não acho que vai ser fácil, mas creio que existem caminhos para desenvolver Porto Alegre”. (Foto: Giulia Cassol/Sul21)

É quase como se constituíssem um Estado paralelo…

Por uma necessidade objetiva em função da retaliação que vem sofrendo do governo Bolsonaro, inclusive neste episódio do maior desastre ambiental brasileiro. Não acho que vai ser fácil, mas creio que existem caminhos para desenvolver Porto Alegre. As últimas administrações fizeram pouquíssimo pela cidade. E atitudes como a do atual prefeito em relação ao IMESF, decidindo por não renovar a contratualização dos profissionais por uma opção política de migrar esse serviço para organizações sociais, só punem mais ainda a população.

Após a campanha presidencial do ano passado, você decidiu criar um instituto para promover debates e produzir conteúdos relacionados ao fenômeno das fake news. Como está sendo esse trabalho?

Quando acabou a eleição eu tinha que decidir em qual espaço eu ia militar. Estive envolvida em mandatos durante quinze anos. Em geral quando as pessoas têm mandatos, não se preparam para atuar em outro espaço que não seja no Parlamento. E eu sempre tive muita vontade de estar em um espaço que não fosse o Parlamento. A minha origem política é o movimento social e eu sentia muita vontade de não ter as amarras que a vida parlamentar impõe. É um espaço de militância que te dá muita visibilidade e capacidade de enfrentamento, mas também te coloca amarras. Por isso decidi fazer algumas coisas que não podia fazer até então.

Criamos, então, o Instituto “E Se Fosse Você?”, que é financiado de diversas formas. Uma delas vem da venda dos dois livros que lancei (“Revolução Laura” e “Por que lutamos?”). O dinheiro da venda dos livros em debates que organizo ajuda a financiar as atividades do instituto. Estou achando esse trabalho muito legal também porque é uma forma de financiamento da política muito diferente da forma ortodoxa e tradicional. O instituto tem o objetivo de tentar ajudar a esclarecer como funcionam as redes de notícias fraudulentas e redes de ódio em nosso país. Fazemos isso de várias maneiras. Produzimos conteúdos para as redes sociais, que é uma forma de alcançar milhões de pessoas que não conseguimos alcançar pessoalmente. Também promovemos palestras em Porto Alegre, capacitando voluntários para que as pessoas aprendam a checar notícias para saber se são falsas ou verdadeiras. O resultado desse trabalho é muito interessante.

O que explica, na tua opinião, a proliferação de crenças na sociedade em coisas como a terra plana?

Quando criamos o instituto começamos, em um primeiro momento, a trabalhar com personagens da política, como a Marielle, o Jean Wyllys e a Maria do Rosário, tentando fazer as pessoas entenderem que aquele ato, desprovido de reflexão, de compartilhar notícias pode ter consequências graves na vida de outras pessoas. Em um segundo momento, começamos a migrar para temas mais vinculados à Ciência, como terra plana e vacinação.

“Tem a nossa parte nisso também, que diz respeito a quanto nós acolhemos o não saber das pessoas”.
(Foto: Giulia Cassol/Sul21)

Existem muitos aspectos a serem debatidos aí. Um deles está relacionado à legislação. O Brasil tem uma tarifa chamada “zero rating”, que é uma deturpação do Marco Civil da Internet feita pelo Temer, que poucos países adotam. A Comunidade Europeia, por exemplo, não tem “zero rating”.  Essa prática faz com que as pessoas não tenham acesso livre à internet, mas apenas a alguns aplicativos como o WhatsApp e o Facebook. Com isso, as pessoas não têm acesso livre à internet para verificar, por exemplo, se determinado conteúdo é verdadeiro ou não, o que vai ter bastante influência na formação de suas crenças a partir do material que recebem. Esse fenômeno também está relacionado ao nível médio de escolaridade e de acesso a outros bens e serviços culturais. Se a pessoa lê mais, vai ao cinema e ao teatro, ela vai ter mais caminhos próprios para esclarecer determinadas informações que ela recebe, sejam quais forem essas informações.

Mas tem a nossa parte nisso também, que diz respeito a quanto nós acolhemos o não saber das pessoas. No caso das fake news tradicionais, elas envolvem, em geral, machismo, racismo e LGBTfobia. A mentira, neste caso, é legitimada por sentimentos que existem na sociedade brasileira. No caso da Marielle, por exemplo, é fácil mentir para um país inteiro que uma vereadora negra tinha um caso com um traficante. Existem pouquíssimas vereadoras negras no Brasil. Em uma sociedade estruturalmente racista como a brasileira, essa associação é direta. Então, não tem como dissociar a mentira do racismo. Por isso que, no nosso instituto, nós dizemos que combatemos as redes de ódio e de fake news. A mentira, a notícia fraudulenta, é estruturada a partir desse racismo. De modo similar, no caso do Jean, não é difícil convencer alguém que ele segurava uma plaquinha dizendo que a pedofilia podia ser legalizada. Afinal, os gays são vistos como hiper-sexualizados e, historicamente, tem o comportamento vinculado com práticas criminosas sexualmente.

No caso dos temas científicos, existe uma espécie de comportamento mítico que promete salvar as pessoas que estariam sendo enganadas pela Ciência. Acho que aqui, há um comportamento nosso errado que é não acolher a ignorância das pessoas. Na nossa experiência cotidiana, a gente não vê que a Terra é redonda. Quem é que conhece mesmo, concretamente, as explicações científicas para vacinar um filho? Qual é o espaço que as pessoas têm para questionar isso? Quando se questiona que a ciência é elitista, isso não diz respeito apenas ao acesso, mas também ao que sai de lá. Quando a gente fala que é preciso democratizar a produção do conhecimento, não estamos falando só da porta de entrada, mas também da saída. Temos a obrigação de falar e produzir coisas que as pessoas compreendam. A Ciência deve ser capaz de responder os não saberes legítimos das pessoas.

Isso tem a ver com a nossa militância também. Quando escrevi o “Por que lutamos”, tentei fazer isso com o feminismo. As pessoas não nascem feministas. Eu não era feminista até dez anos atrás. Eu já tinha mandato e não me sentia uma mulher feminista. As pessoas precisam ter espaço para aprender. Eu sei que a vida é dura, que o machismo é cruel e o racismo é cruel. Essa luta não é só sobre ter razão, é sobre mudar o mundo. Acho que nosso papel é construir condições para mudar o mundo. Isso não significa dizer que preciso dialogar o Olavo de Carvalho. Por que ele diz que não tem elementos pra dizer que a Terra é redonda? Tu acha que ele não sabe que a Terra é redonda. O que ele quer é dialogar com as pessoas que não tem esses elementos.

Não podemos nos esquecer que não se conformar com as respostas estabelecidas é uma das premissas para se produzir Ciência. Eu só estou aqui porque não me conformei com as respostas de um monte de professores que diziam que a desigualdade era natural e que o mundo era assim mesmo.

“Sinto que o bolsonarismo é menor, mas está mais radicalizado”. (Foto: Giulia Cassol/Sul21)

Você tem viajado muito pelo Brasil. Qual a tua percepção sobre o ambiente social que o vive hoje, comparando com o que tínhamos há um ano, após as eleições presidenciais? Houve, neste período, um enfraquecimento do bolsonarismo, na tua opinião?

Tem uma coisa muito positiva que sinto a partir dessas viagens pelo Brasil. Eu estou maravilhada com a geração que vem depois da nossa. Eles nasceram em outro período histórico, cresceram sem vários vícios que nós temos e têm outro sentido de unidade. Várias questões e polêmicas que dividiram a esquerda para eles não existem. Se eu nasci em 1981 e os dilemas pós-União Soviética para mim já eram fragmentos, para quem nasceu no ano 2000 isso não existe. O sentido de unidade, de transformação e de coletividade é muito diferente. Por isso tenho muita esperança no que essa geração vai fazer no Brasil.

Por outro lado, sinto que o bolsonarismo é menor, mas está mais radicalizado. Não estou entre os que acham que eles simplesmente diminuíram de tamanho. Acho que o Bolsonaro trabalha com a perspectiva de consolidar uma parcela da população brasileira super-radicalizada. Quem está na linha de frente sabe o nível de beligerância e de violência dessa turma. Não podemos ser surpreendidos com isso.

O que está acontecendo na Bolívia agora parece estar relacionado com essa tua percepção sobre a construção de uma parcela ultra-radicalizada de extrema-direita, onde o racismo se manifesta de maneira explícita e sem freios..

Tem muito a ver. Uma coisa que não está sendo muito dita, no caso da Bolívia, é que a maior parte da violência na rua, após o golpe militar, vem de grupos para-estatais. Não que os militares não cometam violência, mas aquela agressão contra a prefeita de Cochabamba, uma cena que circulou muito aqui no Brasil, foi cometida por atores não estatais. Isso tem muito a ver com o ódio e a violência do bolsonarismo que presenciamos nas ruas aqui no Brasil. É o militarismo misturado com o ódio de setores não organizados, produzindo uma espécie de lobos solitários que são insuflados pelo bolsonarismo.