Personalidades pedem saída de presidente racista da Fundação Palmares 

A nomeação do militante ultradireitista Sérgio Nascimento de Camargo para a presidência da Fundação Cultural Palmares desencadeou uma onda de protestos nos meios políticos, ativistas e culturais. Nesta semana, após vir a público uma série de declarações racistas de Camargo, sua permanência no cargo se tornou insustentável. Nem mesmo o presidente Jair Bolsonaro – que também já fez apologia ao racismo – ousou defender o novo gestor.

Camargo, que substitui Vanderlei Lourenço na Fundação Palmares, foi uma das mudanças de cargo na área de cultura publicadas na quarta-feira (27) no Diário Oficial da União. Ele é conhecido por atacar em suas redes sociais o movimento negro e nomes ligados a ele, além de afirmar que no Brasil não existe “racismo real”.

A artista popular e deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP) denunciou que “a Palmares sofreu um ataque de morte”. A seu ver, o presidente nomeado para a Fundação é “uma pessoa totalmente desqualificada, que desconhece a história e está a serviço de um projeto genocida que tem como alvo principal a população negra”.

“Defender o fim do movimento negro, atacar símbolos de nossa história, como o Zumbi dos Palmares (que dá nome à própria instituição) e o Dia da Consciência Negra não é apenas falta de conhecimento e inteligência”, afirmou Leci. “É algo perverso e criminoso. A única explicação para que uma pessoa faça todos esses ataques só pode ser a idiotia, usada a serviço de um projeto que faz apologia ao ódio, à violência, ao racismo” e que está, tal qual parasita, se alimentando do sofrimento, da miséria e da desesperança do nosso povo.

Para o artista plástico Emanoel Araújo, fundador do Museu Afro Brasil, a indicação de Camargo “segue a linha do atual governo” federal. “O ministro da Educação é contra a educação; o do Meio Ambiente é contra o meio ambiente. É natural que o presidente da Fundação Palmares não acredite em racismo”, diz Araújo. “Queria ver se um dia ele for perseguido em um supermercado só por ser negro, se vai dizer que não existe racismo.”

Na opinião do escritor Jeferson Tenório, o momento político favorece a aparição de personalidades com perfis polemistas. “Muitas pessoas buscam cavar espaços aderindo a determinados discursos, como a negação do racismo”, comenta o autor de Estela sem Deus (2018). “Não temos a obrigação de pensar igual, ainda que isso signifique um desserviço às lutas e conquistas do movimento negro.”

Entre as opiniões expressas por Camargo nas redes, está a de que o movimento negro precisa ser “extinto” porque “não há salvação”, ou a de que no Brasil existe um racismo “nutella”, ao contrário dos Estados Unidos, onde existiria um racismo “real”. Ele também afirmou que Zumbi dos Palmares – que dá nome à fundação que ele agora preside – é um “um falso herói dos negros”.

Ex-presidentes da Fundação Palmares também cobraram a saída imediata de Camargo da instituição. Eles se manifestaram em nota conjunta, assinada por Carlos Moura, Zulu Araujo, Dulce Pereira, Eloi Ferreira, Hilton Cobra e Erivaldo Silva. Diz o texto: “Nós – que tivemos a honra de presidir a Fundação Cultural Palmares, em períodos os mais distintos – consideramos que a continuidade da luta pela promoção da igualdade racial no Brasil é um imperativo de toda e qualquer pessoa ou instituição que acredite na democracia, nos direitos humanos, na cidadania e na liberdade”.

Segundo os ex-gestores da Palmares, “devemos recusar com toda a veemência quaisquer ideias ou propostas que ponham em risco conquistas duramente alcançadas nos últimos anos no campo da promoção da igualdade e dos direitos humanos, em particular no que diz respeito a Educação (cotas no ensino superior), a terra (reconhecimento dos quilombos), a cultura (reconhecimento das manifestações culturais de origem negra enquanto patrimônio cultural brasileiro e mundial) e o direito à liberdade religiosa”.

Entre representantes dos movimentos sociais e antirracistas, a nomeação de Camargo caiu como uma bomba. “Não dá para aceitar quem nega a existência da escravidão no Brasil e ainda diz que ela foi benéfica para negros e negras brasileiros. Uma escravidão que aconteceu com nossos ancestrais, que eram rainhas e reis em países da África, e foram sequestrados, torturados e explorados”, protestou a pastora Wall Moraes, presidente da Aliança de Negras e Negros Evangélicos do Brasil.

Wall Moraes e outras 60 pessoas assinaram um documento encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR) no qual pedem a indicação de Camargo seja anulada por ser ilegal. O entendimento é que seu comportamento é incompatível com a função do órgão e sua nomeação viola a Constituição e outros atos normativos.

"A nomeação fere a Constituição, que considera as declarações feitas por esse senhor como racismo, e racismo nesse país é crime imprescritível e inafiançável”, afirma a pastora. Seu movimento acredita que a intenção do governo é extinguir a Fundação Palmares. O principal motivo apontado seria a vontade de acabar com a obrigatoriedade de certificar as comunidades quilombolas espalhadas pelo Brasil e consequentemente impedir que elas entrem com processo no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para solicitar a titulação de suas terras.

Na manhã desta sexta (29), um grupo manifestante ocupou a sede da Fundação Palmares para conversar com o novo presidente. Carregavam cartazes com frases como "negro de direita é escravo", "Sérgio sai, Palmares fica" e "Quem nega Zumbi não preside Palmares". Os participantes foram ao sétimo andar do prédio onde fica o gabinete da presidência, mas não foram recebidos. Segundo os manifestantes, funcionários do órgão confirmaram que ele estava no local.