Reforma tributária: afinal, o que está em jogo?

A partir desta segunda-feira (9), o Vermelho dá início a uma série de três matérias sobre o tema.

Muito se tem falado sobre a reforma tributária, uma das pautas econômicas que devem ser discutidas pelo Congresso Nacional este ano. Empresários, governadores e prefeitos vão à imprensa, fazem seu lobby. Afinal, ninguém quer sair perdendo. É repetido à exaustão o lugar comum de que o Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo – o que não é verdade.

A discussão, no entanto, pouco aborda a relação do sistema tributário com a vida de milhões de trabalhadores que, proporcionalmente, pagam mais do que os mais abastados, sem o devido retorno em serviços públicos. A partir desta segunda-feira (9), o Vermelho dá início a uma série de três matérias sobre o tema.

Nesta primeira matéria, vamos falar sobre as propostas de reforma em debate e o sistema tributário brasileiro. Em outras duas matérias, a serem publicadas nos dias 16 e 23 de março, a ideia é debater mais a fundo dois modelos tributários que se contrapõem.

Uma tratará de progressividade e regressividade, e, na última matéria da série, falaremos de tributação sobre o consumo e tributação sobre a renda.

Carga tributária: nem tão alta assim

Mas por que se fala tanto na necessidade de uma reforma tributária no Brasil? O maior problema a ser resolvido é a carga tributária? Não. Embora o peso dos impostos sobre os brasileiros seja assunto recorrente na mídia, a carga tributária do país, na verdade, está abaixo da média registrada para os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Um relatório de 2018 da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado Federal, mostrou que em 2016 a carga tributária correspondia a 32,3% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Já a carga tributária média dos membros da OCDE, grupo que reúne os países mais desenvolvidos do mundo, chegava a 34,2% do PIB no mesmo período.

Segundo o mesmo relatório, a carga tributária brasileira ficou estável no período de 2005 a 2017, e, em 2016, era menor que a de 22 países da OCDE, entre eles Dinamarca (45,9%), França (45,3%), Bélgica (44,2%), Finlândia (44,1%), Suécia (44,1%), Itália (42,9%), Áustria (42,7%), Hungria (39,4%) e Holanda (38,8%).

As propostas na mesa

Segundo especialistas que acompanham os debates sobre a reforma tributária – que se arrastam há décadas – mais do que a carga, o problema é a burocracia. A complexidade do sistema acaba gerando distorções. Outra questão fundamental é a distribuição da carga tributária, que não se dá de maneira justa.

De acordo com o economista Paulo Kliass, doutor em Economia e membro de carreira em gestão governamental, as propostas em discussão hoje no Congresso resolveriam apenas a questão da complexidade. “Não é uma reforma tributária. É uma simplificação tributária”, diz.

Kliass refere-se à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45, do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), elaborada segundo modelo sugerido pelo tributarista Bernardo Appy. A proposta prevê a substituição de cinco tributos e contribuições – IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS – por um único imposto sobre o consumo, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Por ser a proposta que alcança maior consenso, é a preferida do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-SP).

Há ainda outra proposta, bastante semelhante, de autoria do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, do PSDB. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 110/2019 prevê a substituição de nove tributos – IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS e ISS – por um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A equipe econômica do governo não enviou proposta ao Congresso, até o momento.

Problemas estruturais

Segundo Paulo Kliass, propostas nesse modelo poderiam trazer avanços do ponto de vista de redução de complexidade, além de resolver a questão da guerra fiscal entre os estados. Tributo estadual, o ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – é objeto de disputa entre governadores, que usam de reduções e isenções fiscais para atrair empresas.

O economista ressalta, no entanto, que problemas estruturais como a regressividade do sistema tributário brasileiro e a carga tributária sobre o consumo permaneceriam. “Regressividade quer dizer que quem tem mais paga menos e quem tem menos paga mais. O Brasil também é um país em que tem imposto sobre o consumo e não tem imposto sobre patrimônio e renda”, explica.

A tabela do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), por exemplo, é progressiva – quem ganha mais paga uma alíquota maior. Mas é uma justiça fiscal limitada, que só alcança quem vive de salário, já que desde 1996 o país não tributa lucros e dividendos em função de uma lei aprovada no governo de Fernando Henrique Cardoso. A carga tributária elevada sobre o consumo – a brasileira é de 49,7%, enquanto a média da OCDE é 32,4% – também onera quem tem menos, uma vez que as compras consomem uma parcela maior da renda dos mais pobres.

“A alíquota do IRPF é progressiva, mas só até 30, 40 salários mínimos. Se você for olhar dados da Receita, à medida que vai aumentando o rendimento das pessoas, diminui a carga tributária. Para quem ganha mais de 30 salários mínimos, a alíquota efetiva chega a 4%, 5%”, comenta César Roxo Machado, vice-presidente de Assuntos Tributários da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip).

Reforma solidária

Com o objetivo de corrigir essas distorções, parlamentares de oposição – do PCdoB, PSB, Rede, PSOL, PDT e PT – lançaram uma proposta alternativa de reforma tributária, batizada de reforma solidária.

Trata-se de uma emenda substitutiva global à PEC 45, baseada no trabalho de 40 especialistas que começaram a se reunir em julho de 2017 para construir um documento propondo uma reforma tributária mais justa com quem está na base da pirâmide. Além de Paulo Kliass e da Anfip, a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) contribuiu com a proposta.

As propostas da oposição para o sistema tributário visam a sanar os dois principais problemas estruturais do modelo atual: a regressividade e o excesso de tributação sobre o consumo. Há diversas maneiras de fazer isso.

Corrigir a tabela do imposto de renda, criar mais faixas de contribuição, acabar com a isenção de tributação sobre lucros e dividendos e instituir o imposto sobre grandes fortunas são apenas algumas delas. As próximas matérias da série abordarão essas alternativas com mais detalhes.

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