Enem sob pandemia: entidades estudantis denunciam “risco à sociedade”

Para Rozana Barroso (Ubes), problemas vão muito além da data do exame e não serão resolvidos com o apressamento das provas

Entidades estudantis reagiram com indignação à decisão da Justiça Federal de São Paulo de manter o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) marcado para os dias 17 e 24 de janeiro. Mais de 5,78 milhões de candidatos estão inscritos e confirmados para a prova. Originalmente, o Enem 2020 seria feito em novembro, mas foi adiado devido à pandemia.

A nova ordem judicial, proferida nesta terça-feira (12), contraria pedidos das próprias entidades e da Defensoria Pública da União, que entrou com uma ação na semana passada para que as provas fossem remarcadas. O principal argumento da juíza Marisa Cláudia Gonçalves Cucio, que assina a decisão, é de que a postergação das provas traria consequências financeiras à União e provocaria prejuízos à formação acadêmica dos alunos.

A presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Rozana Barroso, concorda que os alunos estão prejudicados, mas explica que os problemas vão muito além da data do exame e não serão resolvidos com o apressamento das provas. “Concordamos que tudo isso tem causado problema na vida dos estudantes, mas esse problema é fruto da falta de diálogo e da irresponsabilidade. Por isso, defendemos o adiamento para que o Enem possa ser realizado com segurança”, diz.

Para ela, a manutenção do Enem para o fim do mês é uma tentativa de impedir que os estudantes façam as provas. “Enxergamos isso como mais uma medida para impedir os estudantes brasileiros de realizarem o Enem. Estamos falando de mais de oito meses sem acesso à educação e também de uma segunda onda da pandemia, com escolas desestruturadas e com protocolo de segurança nada claro”, explica. “Quem quer que os estudantes brasileiros, em maioria negros e periféricos, não realizem o Exame Nacional do Ensino Médio é o próprio Ministério da Educação, que não nos dá condições para isso.”

Élida Elena, vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), reforça que os procedimentos de segurança para a aplicação do exame não foram expostos pelo Ministério da Educação. Para ela, a falta de transparência coloca em risco toda a sociedade. “Os estudantes estão assustados com o resguardar de sua saúde. É uma questão de transmitir o vírus, de contaminar e transmitir para o conjunto da sociedade, os familiares”, afirma.

De acordo com Élida, a realização do Enem nas condições atuais aprofunda ainda mais a desigualdade educacional brasileira. “Falando da realidade das condições de preparação para a prova, isso deixa marcas mais profundas para os estudantes pobres, porque exige acesso à internet, a tecnologia, que muitos jovens não têm”.

A vice-presidente da UNE diz que a data das provas teria que ser definida, além da situação da pandemia, a partir de conversas com os estudantes, o que, segundo ela, não existiu. “O que tem que balizar a data da prova é um diálogo entre as entidades estudantis, que estão ali vencendo o cotidiano, diálogo com profissionais da saúde, para dar um diagnóstico sobre o período e condições adequados”.

Secretários

Na noite desta terça-feira (12), o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) emitiu nota em que diz ter preocupação com a realização do Enem durante a pandemia. Segundo o Consed, o grupo se reuniu com o Inep, autarquia do Ministério da Educação responsável pelo exame, para expor a preocupação.

Também na terça, o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) aprovou uma posição conjunta para defender que o Enem seja adiado devido ao aumento de número de casos de Covid no Brasil. O pedido é dirigido ao ministro da Educação, Milton Ribeiro. Na carta, os secretários de saúde afirmam que colocar os candidatos ao Enem em circulação poderá fazer o vírus circular mais e atingir a população vulnerável.

“Apesar dos jovens terem menor risco de desenvolver formas graves e tampouco estar prevista a vacinação da população com menos de 18 anos, o aumento da circulação do vírus nesta população pode ocasionar um aumento da transmissão nos grupos mais vulneráveis”, diz a carta assinada pelo presidente do Conass, Carlos Lula, secretário de Saúde do Maranhão.

“Não é adequado realizar um exame nacional destas proporções num contexto de alta transmissão da doença (Covid-19) e em realidades tão assimétricas no país. Todos os estados possuem regiões de alta transmissão”, disse, no Twitter, Nésio Fernandes de Medeiros Junior, secretário estadual de Saúde do Espírito Santo. “Cada estado possui protocolos específicos para realização de atividades escolares, o Inep deveria ter condições de adaptar-se a essas normas. Não sendo possível, o único caminho é adiar o exame. Estamos na véspera de iniciar a vacinação no país.”

Nesta terça (12), a média móvel de casos de Covid voltou a bater recorde no Brasil. Nenhum estado apresenta queda nas mortes há cinco dias. O exame terá 14 mil locais de prova e 205 mil salas em todo o país. Nos estados, São Paulo é o que tem o maior número de inscritos (910.482), seguido por Minas Gerais (577.227) e Bahia (446.978).

Na última sexta (7), a Defensoria Pública da União pediu à Justiça o adiamento do Enem, frente ao aumento no número de casos no Brasil. A ação é com conjunto com a UNE, a Ubes e as entidades Campanha Nacional pelo Direito à Educação e Educafro.

Na mesma sexta, mais de 45 entidades científicas publicaram uma carta endereçada ao ministro da Educação, Milton Ribeiro, em que expressam preocupação pela realização do exame. Segundo a carta, as medidas do Inep e do governo federal “não são suficientes para garantir a segurança da população brasileira, num momento de visível agravamento da pandemia no país”.

Com informações do Brasil de Fato e do G1

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