Raoni Rajão: com Bolsonaro, produtos brasileiros “fedem a queimada”

Segundo professor, o que o mundo quer do Brasil é apenas que o País “cumpra as próprias leis”

Se mal consegue explicar como o Brasil utilizará os recursos internacionais para “proteger a Amazônia”, o governo Bolsonaro não tem legitimidade para fazer essa cobrança junto a países estrangeiros. A opinião é do professor universitário Raoni Rajão, que dá aulas de gestão ambiental na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Rajão já foi consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e do Banco Mundial. Em sua opinião, “não faz sentido” a chantagem bolsonarista na Cúpula do Clima, semana passada. “Apesar de o Brasil ter reduzido muito o desmatamento a partir de 2003, o País está desmatando muito acima da média da linha de base do Fundo Amazônia”, afirma o especialista à revista Época.

“Ricardo Salles, o ministro do Meio Ambiente, chegou a prometer que reduziria o desmatamento em 40% se recebesse US$ 1 bilhão adiantado. Pois bem, ele recebe esse US$ 1 bilhão e não cumpre. O que pode acontecer? Sanções internacionais, bloqueios, limitações de certos itens de importação”, diz Rajão, que defende mais fiscalização e ação policial no combate ao desmatamento. “Da mesma forma que simplesmente suprimir o tráfico de drogas de maneira violenta não vai acabar com o problema da pobreza nas favelas, você precisa também entrar com alternativas econômicas, mas elas são complementares à lei e à ordem.”

Segundo o professor, o que o mundo quer do Brasil é “algo muito simples”: que o País “cumpra as próprias leis”, em vez de recorrer a falácias. “Não é fazer propaganda, marketing verde. Para o Brasil diminuir as emissões, não há um custo de PIB da mesma forma como na Alemanha ou Estados Unidos – pelo contrário”, explica. “O PIB agrícola subiu mais naquele período de 2008 e até 2012 e 2013 – que foi o período em que o desmatamento caiu mais.”

Para Rajão, com uma política ambiental mais consistente, a pressão pelo “protecionismo agrícola” cairá. “Não é segredo para ninguém que em particular a França mas também a Irlanda são concorrentes diretos do agro brasileiro. E existe também ali uma briga histórica com o próprio agro americano. Mas você tem de gerar um produto que as pessoas queiram comprar”, diz ele. “ Quando um europeu entra no supermercado e tem uma peça de carne estampada com ‘made in USA’ e a outra com “made in Brazil”, qual ele vai preferir? Aquela que está fedendo a queimada?”

Nesse sentido, Rajão defende que, “para se reposicionar no debate climático”, o Brasil faça a lição de casa antes de exigir verba estrangeira. “Primeiro, precisa reestruturar seus quadros técnicos. O que a gente vê é que historicamente o Brasil teve um alinhamento maior – o que nunca foi perfeito, mas que era muito maior — entre a comunidade científica, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, o Ministério do Meio Ambiente e o Itamaraty. Hoje, nós vemos um desarranjo”, comenta. “Na outra ponta, o Brasil precisa reduzir o desmatamento.”

Com informações da Época