O Canto das Ruas

Assim como na época da ditadura militar, o Brasil vive hoje uma escalada da violência.

Uma vez, perguntaram para um músico que morava nas ruas qual era o canto da rua. Ele respondeu, sem titubear, a canção “Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores”, de Geraldo Vandré.

Essa música, conhecida também como “Caminhando”, foi cantada por todo o Brasil na década de 60. Naquela época, o país vivia o seu pior momento político e econômico devido à ditadura militar. Muitos brasileiros que lutaram pela democracia foram presos, torturados e mortos pelo regime.

A música, assim como a literatura e o cinema, foram os meios encontrados por muitos para denunciar essa violência sem sofrer com a censura. O cantor Geraldo Vandré foi um deles.

O artista cantou “Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores” durante o 3º Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro, que durou de 1966 a 1972. A letra fala da importância da união e da ação para combater os opressores. O sucesso foi imediato, tanto que Vandré teve de deixar o país para fugir dos militares em 1973.

Assim como naquela época, o Brasil vive hoje uma escalada da violência. Relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) revela que o número de conflitos no governo Bolsonaro é o maior dos últimos 10 anos. Até o ano passado, foram registradas 3.322 ocorrências de violência no campo.

No último mês, estudantes da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em Recife, foram reprimidos com spray de pimenta pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) durante uma manifestação contra o atraso no pagamento de bolsas de estudos.

Em Minas Gerais, na quarta-feira (03/11), a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa (ALMG), a deputada Carolina Maria de Jesus (PSOL), foi ameaçada de morte nas redes sociais após anunciar que o parlamento vai investigar a morte de 26 pessoas após uma ação policial na cidade de Varginha, no Sul de Minas.

No domingo anterior, a Polícia Militar de Minas Gerais (PM/MG), a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e o Batalhão de Operações Especiais (BOPE) entraram em dois sítios em Varginha para prender suspeitos envolvidos com o tráfico de drogas.

A ação do Estado resultou na morte de todos os “bandidos”, segundo relatos da polícia. O fato é que a ação dos militares chama a atenção, conforme explica o especialista em segurança pública, Robson Sávio.

“Isso (operação com alta taxa de letalidade) não é comum, e precisamos investigar. Não se pode abrir qualquer precedente de ação desproporcional da atividade policial. É importante que as pessoas entendam que garantir ação proporcional, adequada e justa é garantia de segurança para todos nós”, disse ele.

De fato, investigações preliminares da Polícia Civil revelam que a cena do crime foi alterada após a chacina da PM. As armas apreendidas, por exemplo, foram retiradas dos seus locais de origem e exibidas para as câmeras de TV.

A ação da polícia mineira lembra outra executada pela polícia carioca, no início deste ano, que resultou na morte na morte de quase 30 pessoas. Após a investigação da “Chacina do Jacarezinho”, como ficou conhecida, descobriu-se que, entre a maioria dos mortos, pelo menos 15 não eram investigados na operação.

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