A inflação de Bolsonaro: custo da luz no Brasil é o 2º maior do mundo

Depois de seis meses em que os brasileiros pagaram R$ 14,20 extras a cada 100 kWh consumidos, outras faturas serão repassadas à população em breve

A conta de luz vai ficar mais barata neste sábado (16), com o fim da bandeira de escassez hídrica, o nível mais grave, e a volta para a verde, que não tem cobrança adicional. Mas, quando se vive sob o governo Jair Bolsonaro, não convém comemorar.

Depois de seis meses em que os brasileiros pagaram R$ 14,20 extras a cada 100 kWh consumidos, outras faturas serão repassadas à população em breve. Sob o fantasma do “apagão de Bolsonaro”, o governo contratou emergencialmente no segundo semestre de 2021 o equivalente a R$ 39 bilhões em energia de usinas termelétricas a gás natural. É um combustível fóssil, não tão poluente quanto o petróleo e o carvão – mas, acima de tudo, caro.

A crise hídrica, agravada pela negligência bolsonarista, também resultou em um empréstimo de R$ 10,5 bilhões para cobrir os prejuízos de empresas do setor. Esse dinheiro será pago também pelos brasileiros por meio de um encargo a ser embutido nas contas a partir de 2023.

Existem ainda outros fatores para pesar na fatura: nesta semana a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) propôs o aumento em até 57% das bandeiras tarifárias que vigoraram na época de falta de chuvas e há os reajustes previstos das distribuidoras locais de energia nos próximos meses.

Luz mais cara impacta os preços dos produtos. Segundo a Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres), gastos com energia representam 32% do custo do frango e 25% do cimento. E a entidade, com base em dados da Agência Internacional de Energia (AIE), aponta que o custo da luz para o orçamento das famílias é o segundo maior do mundo, apenas atrás da Colômbia e na frente de países como Estados Unidos e Canadá.

“A crise maior não é do abastecimento, é a crise do custo. Não adianta você ter o produto se ele tem um custo que as pessoas não podem adquirir. Não adianta o supermercado estar cheio de filé mignon se as pessoas não podem comprar”, diz Luiz Eduardo Barata, ex-presidente do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). “A energia é cara, as pessoas ficam inadimplentes e acabam fazendo ‘gato’ (ligação clandestina na rede elétrica).”

O Brasil reduziu historicamente sua dependência da energia hidrelétrica, mas ela ainda representa 65% de sua matriz elétrica. Havia pessimismo no final do ano passado sobre a recuperação dos níveis dos reservatórios. Mas vieram as fortes chuvas do último verão, que praticamente eliminaram as chances de uma crise energética em 2022, ao mesmo tempo que provocaram tragédias na Bahia, em Minas Gerais e no Estado do Rio.

“A crise que vivemos no ano passado já estava sinalizada desde 2020”, diz Barata. “Então era previsível que ao longo de 2021 nós tivéssemos um cenário muito adverso.” O socorro em épocas assim tem vindo principalmente das termelétricas (também chamadas de térmicas), como visto na última ameaça de apagão. Mas o peso financeiro delas é considerável e vem aumentando pela conjuntura atual.

O preço do gás natural que move as térmicas foi impactado pela guerra na Ucrânia – a Rússia é um dos grandes produtores do setor e o conflito mexeu com o mercado mundial. Em outubro do ano passado, em razão dessa flututação, a Aneel autorizou reajustes que tornaram uma usina no Paraná a mais cara do país, com a cobrança de R$ 2.553,20 por MWh (megawatt-hora). Em comparação, a tarifa média da hidrelétrica de Itaipu é de R$ 196,19/MWh, segundo Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel, em entrevista ao jornal Valor Econômico.

A necessidade de garantir segurança energética junto à preocupação com a mudança climática fazem com que o país precise intensificar o aproveitamento do grande tempo de exposição solar e do excelente potencial para fontes eólicas em território brasileiro, diz Amanda Schutze, coordenadora de energia no Climate Policy Initiative (CPI) e professora da PUC-RJ. “O Brasil pode ser líder na transição energética e aproveitar a oportunidade para um crescimento econômico verde”, afirma. Mas é claro que preocupações ambientais sustentáveis não estão no radar do governo Bolsonaro.

Por fim, sobram encargos da conta. Na quarta-feira (13), a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres divulgou um levantamento que coloca a conta de luz brasileira como a segunda mais cara entre 33 países pesquisados. Segundo a entidade, só a metade (53,5%) do valor da conta diz respeito à geração, transmissão e distribuição da energia elétrica. Subsídios, impostos, ineficiências do setor e políticas públicas formam a outra parte.

O peso maior é representado pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), encargo setorial para promover o desenvolvimento energético do país e que representará um montante de R$ 28,8 bilhões neste ano. O CDE inclui, por exemplo, um benefício concedido à compra de carvão mineral nacional pelas termelétricas para aumentar a competitividade desse tipo de energia – que é altamente poluente.

Amanda Schutze defende um foco maior em mecanismos que atuam do lado da demanda como alternativa ao foco apenas na expansão da capacidade. Uma solução, diz ela, é reforçar a inclusão de consumidores como fornecedores – por meio dos painéis solares. “O consumidor é muito mais empoderado hoje no sentido de que ele não só pode gerar a própria energia como pode contribuir com a rede injetando o seu excedente”.

Atualmente uma resolução da Aneel permite que clientes obtenham créditos com uma espécie de troca com a energia não utilizada. Uma proposta de modernização do setor pelo Ministério de Minas e Energia, que expande essas possibilidades, está em tramitação no Congresso. Segundo o Instituto Nacional de Energia Limpa (Inel), as unidades de painéis solares em residências quanto e no comércio e indústria cresceu 50% em um ano. A energia gerada foi de 5 GW para 7 GW. A entidade prevê 35 GW de potência na geração distribuída até 2030.

Com informações da BBC Brasil