Rede de museus sociais une história e resistência

Redefinindo o conceito de museu, iniciativas de museologia social resgatam histórias de luta, violência e superação das comunidades marginalizadas do Rio de Janeiro

Casa Tela, arte com grafite nas fachadas das casas para exposição, que conta a história das comunidades do Pavão/Pavãozinho e Cantagalo, localizadas em Copacabana e Ipanema, zona sul do Rio de janeiro, Brasil, América Latina | Foto: Museu de Favela/MUF

Um novo conceito de museu está ganhando força no Rio de Janeiro, proporcionando uma perspectiva mais inclusiva e participativa. A Rede de Museologia Social do Rio de Janeiro, que comemora 10 anos em 2023, é composta por diversos museus comunitários, incluindo o Museu de Favela (MUF), o Museu das Remoções e os museus da Maré, Sankofa da Rocinha, do Horto, o da Arte e da Cultura Urbana e o Ecomuseu Rural de Barra Alegre. Essas instituições buscam romper com a distância entre os museus tradicionais e as comunidades que representam, oferecendo uma experiência de primeira pessoa, onde as próprias comunidades contam suas histórias.

O MUF é uma organização não governamental (ONG) fundada em 2008 por lideranças culturais moradoras das favelas Pavão, Pavãozinho e Cantagalo, situadas na fronteira entre os bairros Ipanema, Copacabana e Lagoa, na zona sul da Cidade do Rio de Janeiro. Como ruas e becos recebiam visitas frequentes de turistas, eles resolveram contar a história das comunidades por meio de grafites nos muros das casas.

Com curadoria do artista Acme, pintaram os muros e inauguraram em 2010 o Circuito das Casas-Tela: uma visita guiada, com duração de até três horas, que inclui a observação e de 27 moradias, representando o modo de vida e as lutas enfrentadas pelos moradores ao longo dos anos. Da falta de abastecimento de água à proibição de construção de casas de alvenaria, os grafites retratam os desafios enfrentados e as memórias do passado.

Grafite remonta tempo em que era proibido construir casas de alvenaria no Pavãozinho | Foto: Museu das Remoções/Divulgação

O propósito dessas expressões artísticas é contar a saga, a memória, a história das favelas que compõem o território, desde os escravos fugidos que se acoitavam no Maciço do Cantagalo, passando pelas primeiras construções de barracos no início de 1907, até os dias de hoje, quando mais de 20 mil moradores desse museu territorial lutam contra a segregação social das favelas no contexto da cidade e a favor da sua inclusão funcional urbana e socioeconômica no contexto e na vida social dos bairros de Ipanema e Copacabana, destinos turísticos mundialmente famosos.

Já o Museu das Remoções, localizado na Vila Autódromo, é um testemunho das remoções forçadas que ocorreram antecederam os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, onde centenas de famílias foram removidas para a construção do Parque Olímpico, do Centro de Mídia e de vias expressas. Apenas 20 famílias permaneceram. Nele o acervo é composto em grande parte por escombros e memórias dos moradores removidos devido à construção de instalações olímpicas. O percurso expositivo pela comunidade permite que os visitantes ouçam as histórias de violência e resistência dos moradores que permaneceram, que relatam as agressões físicas e psicológicas sofridas durante o processo de remoção.

É possível organizar a própria memória para que não seja apagada, diz fundadora de museu | Foto: Museu das Remoções/Divulgação

A Rede de Museologia Social do Rio de Janeiro promove encontros mensais entre os museus comunitários, proporcionando a troca de experiências e conhecimento sobre as comunidades e movimentos sociais que representam. Essa rede tem como objetivo ampliar a diversidade de vozes e narrativas históricas da sociedade, além de atuar em prol da inclusão e transformação social.

Esses museus sociais são parte de um movimento de transformação do conceito tradicional de museu, que historicamente foi marcado por critérios elitistas e excludentes. A definição mais atual e abrangente é de agosto do ano passado e surgiu na 26ª Conferência Geral do Conselho Internacional de Museus (Icom), em Praga, na República Tcheca. “Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade, que pesquisa, coleciona, conserva, interpreta e expõe patrimônio material e imaterial. Abertos ao público, acessíveis e inclusivos, os museus promovem a diversidade e a sustentabilidade”, diz o texto principal.

Os museus sociais do Rio de Janeiro são mais do que espaços de preservação e exposição, eles são ferramentas potentes de luta, valorizando a identidade das comunidades e fortalecendo seus direitos. Ao preservar memórias e tradições, essas instituições evitam o apagamento de grupos sociais e culturas, proporcionando visibilidade para as favelas e contribuindo para que esses territórios sejam reconhecidos como patrimônios das cidades.

Nesse contexto, a Rede de Museologia Social do Rio de Janeiro desempenha um papel importante ao articular e unir as iniciativas comunitárias, promovendo ações políticas e culturais que envolvem a defesa dos direitos universais à terra, o combate ao racismo, à LGBTfobia e outras pautas relevantes para as comunidades. A diversidade de ambientes e conteúdos não impede que o grupo tenha compromissos em comum, todos voltados para a inclusão e transformação social.

Os museus sociais do Rio de Janeiro representam um movimento de transformação do conceito tradicional de museu, abrindo espaço para que as comunidades contem suas próprias histórias e sejam protagonistas na preservação de sua memória e cultura. Essas iniciativas são uma manifestação poderosa de resistência e valorização das comunidades, desafiando o status quo e promovendo uma sociedade mais justa e igualitária.

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com informações de agências
Edição Bárbara Luz

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