Julgamento do Caso Marielle chega ao 2º dia com relatos emocionantes

Após seis anos do crime, as testemunhas expõem detalhes comoventes e réus confessam motivações no 4º Tribunal do Júri do Rio; sentença esperada para hoje, assista ao vivo

Anielle Franco, os pais e a filha de Marielle no primeiro dia do julgamento, nesta quarta, 30 | Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil.

O segundo dia do julgamento dos ex-sargentos da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, retomado nesta quinta-feira (31), traz expectativas de um desfecho, com a possível sentença dos réus, acusados ​​do assassinato da a vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista, Anderson Gomes, em 2018.

A sessão ocorre no 4º Tribunal do Júri do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, com transmissão ao vivo disponível para o público. Assista abaixo.

Primeiro dia: depoimentos intensos e revelações

A primeira sessão de julgamento, realizada na quarta-feira (30), teve duração de mais de 13 horas e contou com depoimentos de nove testemunhas e dos dois réus. O clima foi marcado por emoções intensas, especialmente com a participação de familiares das vítimas e de Fernanda Chaves, única sobrevivente do ataque.

Fernanda, assessora de Marielle e sobrevivente do atentado, foi a primeira testemunha a depor. Em seu relato, relembrou os minutos logo após o atentado, ainda sem saber se Marielle estava viva. “Eu estava muito ensanguentada, muito suja de sangue e comecei a pedir ajuda”, disse. “Marielle não disse absolutamente nada após ser atingida. Anderson esboçou uma reação de dor e soltou o volante. Marielle ficou imóvel. Eu estava sem cinto de segurança, por isso consegui me abaixar”, recordou, pedindo que Lessa e Queiroz estivessem desconectados da sessão durante seu depoimento.

Após Fernanda, Marinete Silva, mãe de Marielle, emocionou o tribunal ao contar sobre a dor da perda. Ela relatou ter enviado uma última mensagem para o celular da filha após a confirmação da morte: “Minha filha! O que fizeram com você?”, desabafou. Ela também destacou a importância de uma condenação justa. “Nenhuma mãe merece perder a filha desse jeito… Quero pedir justiça por Marielle e Anderson”, disse Marinete. A defesa dos réus, por sua vez, não se opôs aos depoimentos dos familiares e manifestou solidariedade, dispensando perguntas à mãe da vereadora.

Monica Benício, vereadora do Rio de Janeiro e viúva de Marielle, também participou, destacando que Marielle “estava no momento mais feliz da vida dela”. “Ela tinha uma presença forte, uma liderança carismática que estava indo além da Câmara dos Vereadores”, relatou.

Já Ágatha Reis, viúva de Anderson Gomes, falou sobre o vazio deixado pela perda do pai de seu filho Arthur, que tinha apenas um ano quando o crime ocorreu. “Eu espero ver as pessoas que me tiraram o Anderson pagarem pelo que fizeram”, afirmou Ágatha, em um apelo emocionado.

Estratégia de defesa e depoimentos dos réus

A defesa dos réus causou controvérsia ao excluir todas as mulheres previamente selecionadas para o corpo de jurados, que foi formado exclusivamente por homens. A exclusão foi criticada por familiares, que esperam uma especificação justa. No entanto, a defesa de Élcio Queiroz optou por não chamar testemunhas em sua defesa, enquanto Lessa recolheu apenas duas.

Os entrevistados participaram do julgamento por videoconferência, cada um em seu presídio de detenção — Lessa, em Tremembé (SP), e Queiroz, na Papuda (DF). No depoimento, Ronnie Lessa admitiu que a motivação foi financeira, declarando que receberia R$ 25 milhões pelo crime.

“Eu fiquei cego; minha parte eram R$ 25 milhões. Podia falar assim: era o papa, que eu ia matar o papa, porque fiquei cego e reconheço. Vou cumprir o meu papel até o final, e tenho certeza absoluta de que a Justiça será feita”, afirmou o ex-policial.

Ele também expressou um pedido de perdão aos familiares e à sociedade. “Infelizmente não podemos voltar no tempo”, falou. “Eu gostaria de aproveitar a oportunidade e, com absoluta sinceridade e arrependimento, pedir perdão às famílias do Anderson, da Marielle, da minha própria e a toda a sociedade pelos atos que nos trazem até aqui”, disse.

Já Élcio de Queiroz sustentou que desconhecia a intenção de homicídio até o momento do crime. Ele relatou a dinâmica do atentado, afirmando ter percebido a gravidade apenas ao ver Lessa se apresentando com uma submetralhadora. “Quando ele falou, eu fui em direção ao carro, deixo o meu vidro do motorista ficar paralelo ao vidro do carona. O Ronnie já tinha abaixado o vidro, e eu só ouvi os disparos; foi uma rajada”, detalhou.

Envolvimento político, investigações e desdobramentos

O Ministério Público pediu pena máxima de 84 anos de prisão para Lessa e Queiroz, que confessaram o crime e detalharam em delação premiada a participação os supostos mandantes: o conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, Domingos Brazão, o seu irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão, e o ex-chefe da Polícia Civil do Rio, Rivaldo Barbosa.

Segundo as acusações, o grupo teria organizado o assassinato de Marielle com a intenção de eliminar uma figura política que atrapalhava os interesses do grupo em questões fundiárias e de desenvolvimento imobiliário em áreas sob influência da milícia. Lessa afirmou que sua delação tinha o intuito de revelar “todos os personagens envolvidos nessa história” para aliviar a “angústia de todos” e “tirar um peso da consciência”. Embora os mandantes neguem qualquer envolvimento, o impacto do crime e da luta de Marielle Franco pela justiça permanece vivo.

Após os relatos dos réus, a juíza Lúcia Mothé Glioche suspendeu a sessão, que foi retomada nesta manhã. A expectativa é de que o veredicto seja proferido até o final do dia.

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com agências

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