A implosão da coalizão alemã: o que esperar do futuro político?
Com governo dissolvido, debates sobre austeridade fiscal e transição verde ganham centralidade, enquanto extrema direita avança para as eleições antecipadas de fevereiro
Publicado 19/12/2024 08:29

A Alemanha chega ao fim de 2024 em um estado de suspense político, ainda que o gênero não pareça pertencer a conhecida previsibilidade germânica. A queda da coalizão de Olaf Scholz, o primeiro-ministro do semblante inabalável, deve reconfigurar o tabuleiro político do país mais poderoso da União Europeia. Diante do impasse, uma pergunta ecoa entre as ruas de Berlim e os corredores de Bruxelas: é o início de uma nova ordem ou o prenúncio de um caos imprevisível?
A Alemanha realizou apenas três eleições antecipadas desde a queda do regime nazista, em 1972, 1983 e 2005, histórico ilustrativo da predileção alemã pela estabilidade política (herança direta do trauma da República de Weimar e do Terceiro Reich).
Ainda assim, a coligação “Ampelkoalitiont” (semáforo, em alemão), dos social-democratas do PSD (vermelhos), os ecologistas (verdes) e liberais do FDP (amarelos), provou ser menos coesa do que o esperado, e foi fragmentada pela imposição por austeridade fiscal defendida pelo FDP.
O governo de Scholz perdeu nesta segunda (16) um voto de confiança no Bundestag, o Parlamento alemão. Scholz teve 207 votos a seu favor, 394 contra e 116 abstenções. Com isso, a gestão será dissolvida e as eleições nacionais serão antecipadas para fevereiro.
Com o resultado da votação, o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, terá três semanas para dissolver a Câmara e convocar novas eleições. Um acordo entre os partidos prevê que a votação será feita em 23 de fevereiro.
A implosão da coalizão é um sinal de alerta que ressoa além das fronteiras alemãs. O AfD, partido de extrema direita, observa a situação política do flanco com expressão esfaimada. No leste do país, sua presença é cada vez mais robusta, alimentada por uma retórica nacionalista e anti-imigração. Ainda que a memória do nazismo paire como um fantasma sobre a população do país, a habilidade do AfD em reembalar discursos extremistas em uma roupagem aparentemente moderna preocupa democratas de todas as cores.
Enquanto isso, a CDU (Democratas Cristãos) de Friedrich Merz, o partido que Angela Merkel guiou por 16 anos, lidera as pesquisas. Mas a frente é tímida. De acordo com um agregador de pesquisas do Financial Times, o bloco da CDU tem 32,4% das intenções de voto, seguido pela AFD com 18,1%, quase o dobro do que teve nas últimas eleições, em 2021 (10,3% dos votos). O SPD, vermelho, do atual chanceler Olaf Scholz, tem 15,8% de preferência, enquanto os liberais do FDP somam 4%.
A CDU está longe de garantir uma maioria e, tal como a coalizão anterior, enfrenta o quebra-cabeça de montar alianças com parceiros que discordam sobre políticas centrais – especialmente sobre como conduzir a economia em tempos de guerra e de transição energética.
Os liberais do FDP, cuja rigidez fiscal foi em parte culpada pelo colapso da coalizão de Scholz, mostram pouco apetite para composições que desafiem seu mantra de responsabilidade orçamentária. Resta saber se, mesmo diante do risco de instabilidade e a ameaça da extrema direita, eles estarão dispostos a negociar. Na Alemanha, coalizões são uma arte delicada, mas o fracasso da “traffic light” deixou uma cicatriz que pode desestimular novas coligações..
E Olaf Scholz? O social-democrata que sucedeu Merkel, com a promessa de estabilidade, agora se encontra em um limbo político. O ex-ministro das Finanças, conhecido por sua retidão tecnocrática, enfrenta uma crise que transcende sua figura. Sua gestão foi ofuscada por desafios colossais: uma guerra na Ucrânia, crises energéticas e um mercado global que resiste à transição verde. Mesmo assim, é improvável que ele desapareça do cenário tão cedo. Os social-democratas podem não liderar a próxima coalizão, mas Scholz continuará a ser uma figura influente.
No horizonte, as tensões internacionais mantêm a Alemanha em um papel central. A guerra na Ucrânia pressiona Berlim a reforçar sua posição na Otan, enquanto a dependência reduzida do gás russo ainda não foi totalmente substituída por uma estratégia energética coesa. A relação com Moscou, historicamente pragmática, tornou-se um labirinto de sanções, discursos duros e receios subterrâneos.
A Alemanha está em uma encruzilhada, e os caminhos são sinuosos. Para os progressistas, a dissolução da coalizão de Scholz é um convite a reimaginar alianças que voltem a colocar o país nos trilhos do nacional desenvolvimentismo, modelo econômico que fez a Alemanha alcançar o posto de principal potência europeia.