Corte global em verbas para HIV pode causar 4 milhões de mortes

Relatório da ONU alerta que retirada de apoio dos EUA ameaça colapsar programas e reverter décadas de progresso no combate à Aids até 2030

Foto: Getty Images

O colapso iminente dos programas globais de prevenção e tratamento do HIV/Aids pode causar 6 milhões de novas infecções e 4 milhões de mortes adicionais até 2029. O alerta vem do relatório “Aids, Crise e o Poder de Transformar”, divulgado nesta quinta-feira (10) pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids). O documento aponta que a retirada abrupta de financiamento dos Estados Unidos em 2025 afetou diretamente cadeias de suprimentos, clínicas, profissionais e organizações comunitárias em dezenas de países.

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Segundo o documento, a retirada repentina do apoio do PEPFAR — Plano de Emergência do Presidente dos EUA para o Alívio da Aids — gerou um efeito dominó que desestabilizou serviços essenciais em dezenas de países, principalmente na África Subsaariana. O PEPFAR havia garantido, só em 2024, testes de HIV para 84 milhões de pessoas, tratamento antirretroviral para 20,6 milhões e prevenção para 2,3 milhões de adolescentes. Essa estrutura foi desmontada em questão de semanas, com fechamento de clínicas, interrupção no fornecimento de medicamentos e demissões em massa de profissionais da saúde.

“O financiamento internacional cobre até 80% dos programas de prevenção em países de baixa e média renda. Sua ausência é uma sentença de morte”, afirma o relatório.

Sistemas em colapso e desigualdade crescente

Em muitos locais, especialmente onde o estigma ainda é forte e a legislação criminaliza populações-chave, os serviços simplesmente deixaram de existir. Práticas como distribuição de preservativos, programas de PrEP (profilaxia pré-exposição) e campanhas de conscientização foram interrompidas.

O documento também revela que, apesar dos avanços nas últimas décadas, cerca de 9,2 milhões de pessoas que vivem com HIV não recebem tratamento. Em 2024, foram registradas 1,3 milhão de novas infecções — uma taxa quase inalterada em relação ao ano anterior — e 630 mil mortes relacionadas à Aids. Em países como Nigéria, o número de pessoas recebendo PrEP caiu 85% em poucos meses.

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A desigualdade também persiste. Mulheres jovens e adolescentes representam uma fatia desproporcional das novas infecções em diversas regiões, e apenas 55% das crianças com HIV estão em tratamento, o que expõe mais de 600 mil crianças ao risco de complicações graves ou morte. Além disso, homens têm menos chance de receber antirretrovirais e de manter a carga viral suprimida em comparação às mulheres.

Comunidades resistem, mas precisam de apoio

Apesar do caos, há sinais de resiliência. Na Etiópia, jovens voluntários criaram grupos de WhatsApp para manter contato com pacientes; mães organizaram redes de apoio e rádios comunitárias espalharam informações sobre tratamento. O relatório destaca que a ação de base tem sido essencial para manter alguma continuidade nos cuidados.

Além disso, durante a 4ª Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, em Sevilha, países aprovaram medidas como cooperação tributária, perdão de dívidas e reformas financeiras multilaterais para ampliar o espaço fiscal de nações em desenvolvimento. Vinte e cinco países — incluindo Brasil, Quênia e Etiópia — já sinalizaram aumento no orçamento doméstico para o HIV em 2026.

Apesar dos esforços, a Unaids reforça que uma transição sustentável exige tempo, estabilidade política e, sobretudo, solidariedade internacional. “A resposta à Aids pode estar em crise, mas temos o poder de transformá-la”, diz o relatório. Se o mundo adotar novas tecnologias, ampliar o acesso a medicamentos de ação prolongada e fortalecer os sistemas comunitários, a agência acredita que ainda é possível alcançar o objetivo de erradicar a Aids como ameaça à saúde pública até 2030.

Para ver a íntegra do relatório, clique aqui.

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com agências

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