O PAC em debate: o que os movimentos sociais cobram de Lula?

Por André Cintra e Carla Santos
Em dia de ''prestação de contas'' e debate sobre o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), os movimentos ouviram o governo federal – que teve de ouvir as críticas das entidades. Reunidos na sede nacional da CUT,

A CMS deixou claro que dará apoio ao PAC, mas cobrou do governo Lula mais diálogo e articulação, além de aperfeiçoamentos nas propostas para dinamizar o crescimento econômico do país. Na opinião de Dulci – que apresentou o contexto e os eixos do PAC em sua exposição inicial de 45 minutos -, o programa é tributário das idéias do economista  Celso Furtado. Não basta o Brasil crescer se não houver desenvolvimento aliado às políticas sociais.


 


O cenário, diz o ministro, é propício. ''O país já pode entrar em ciclos de crescimento, mantendo a inflação baixa e possibilitando a distribuição de renda.'' Em seus primeiros quatro anos de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalhou, segundo Dulci, para quebrar a falsa dicotomia entre os mercados interno e externo, além de impor resistências ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Na área social, o governo lançou programas de grande impacto, como o Bolsa Família (que atinge 11,1 milhões de famílias) e o Luz para Todos (5,8 milhões de pessoas).


 


Iniciativas sistêmicas


 


O PAC, no entanto, tem pela frente uma nação com grandes discrepâncias regionais. ''Há estados com mais de 10 milhões de habitantes de que não exportam nem sequer um alfinete, enquanto em outros a economia vive 70% das exportações. Por isso, nossa política de desenvolvimento tem de ser sistêmica'', salientou Dulci.


 


O ministro disse que também sistêmico é o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Para melhorar a educação de forma global, a iniciativa terá quatro eixos: 1) alfabetização; 2) educação básica; 3) ensino técnico e tecnológico; e 4) ensino superior. Para Dulci, a existência do PDE é mais uma prova de que o governo não tem apenas o PAC como instrumento para desenvolver o país.


 


Sindicalismo: contra o arrocho


 


Em nome das centrais sindicais, o presidente da CUT, Arthur Henrique, lamentou o recuo do governo Lula frente à plataforma dos movimentos sociais. ''Parecia que a agenda da direita estava derrotada após o segundo turno das eleições de 2006 e a reeleição do Lula. Mas parece que aos poucos o governo vai cedendo espaço para essa agenda'', comentou Artur. É o caso do PLP 01/2007, contida no PAC, que há de provocar arrochos salariais para funcionários públicos federais.


 


''O Lula não sabe o que está falando quando diz que nenhuma categoria tem hoje reajuste superior a 1,5%. O que o PLP 1 propõe não é aumento'', lembra Artur. De fato, a medida prevê que, nos próximos dez anos, não só os salários – mas todas as despesas com o pessoal e com encargos da União – só possam ser reajustados em até 1,5% ao ano acima da inflação. As críticas ao PLP são unânimes entre as centrais sindicais e provocaram, nesta segunda (28), a greve dos funcionários das universidades públicas.


 


MST: cadê a reforma agrária?


 


Para João Paulo, da direção nacional do MST, apresentou que o governo Lula dialoga pouco com os movimentos sociais. ''Só ocorreram duas reuniões da CMS com o governo e, por coincidência, em momentos de crise''. A elaboração do PAC, por exemplo, não contou com a participação das entidades, que, segundo João Paulo, souberam do programa pela imprensa. O líder sem-terra acredita que essa falta de articulação se manifesta nas medidas apresentadas pelo governo.


 


''O foco do PAC na infra-estrutura não leva em consideração as questões ambientais e sociais, gerando problemas com a população atingida por barragens, com a população ribeirinha'', critica João Paulo. Na opinião do MST, o governo segue submisso à política conservadora do Banco Central, a ponto de não haver reforma agrária no Brasil – mas, sim, tímidas políticas de assentamentos. ''É impressionante como o Lula ainda tem medo dos setores do chamado mercado.''


 


Movimento estudantil: preocupações com o PDE


 


De acordo com Gustavo Petta, presidente da UNE, os movimentos sociais entenderam as dificuldades pelas quais Lula passou no primeiro mandato. ''Na primeira etapa do primeiro governo Lula, fomos sensíveis à limitação da herança maldita deixada por oito anos de governo neoliberal. Depois, ajudamos Lula a resistir à tentativa de golpe da direita contra governo.'' Agora, Petta acredita que é a hora de ousar.


 


A UNE elogia os investimentos do PDE na educação (cerca de R$ 8 bilhões) e metas como a de dobrar o número de vagas nas universidades federais até 2011. Cobra, porém, mais políticas de inclusão para a juventude. ''Só se fala em não tirar direitos adquiridos. E a juventude – como é que fica?'', indagou Petta, que considerou o PAC “omisso” em um tema tão importante como a geração de empregos para jovens.


 


Mulheres: os riscos continuam


 


Fernanda Estima, da Marcha Mundial das Mulheres, também denunciou os escassos encontros do governo com os movimentos socais, sobretudo na elaboração do PAC. ''Sinto falta de idéias para atacar as desigualdades'', afirmou. ''Se ao PAC não for acrescentando uma política de gênero, a tendência é as desigualdades se acentuarem.''


 


Para a feminista, não há desenvolvimento tal qual o governo expõe. ''Caso não se enfrente de fato as desigualdades, as chances de crescerem os índices de prostituição são muito grandes, uma vez que esta já é a terceira maior fonte de lucro das máfias, perdendo apenas para o tráfico de armas e drogas.''


 


Movimento comunitário: muitas lacunas


 


Para Wander Geraldo, é louvável a agenda positiva de desenvolvimento,  bem como a valorização do Estado como indutor do crescimento. Mas o presidente da Conam (Confederação Nacional das Associações de Moradores) enumera contradições. ''Hoje 82% do déficit habitacional incide sobre pessoas que ganham até três salários mínimos, e os recursos do PAC não atingem esse setor.'' Embora o programa federal destine um terço de seus recursos para áreas como habitação, saneamento básico, recursos hídricos e programas sociais, ainda há lacunas.


 


Wander nota que a verba para a área de transporte coletivo é pouca – e está totalmente vinculada ao Metrô.  ''É preciso investir em outros meios de transporte, construir ciclovias, fazer mais corredores de ônibus.'' O movimento comunitário também quer incluir cultura e esporte entre as prioridades do PAC, mas teme pela distância entre governo e entidades. ''A sanha dos investidores está impedindo que o debate chegue aos movimentos.''


 


E agora?


 


Após quase cinco horas de reunião, Luiz Dulci pareceu assimilar algumas das críticas ao governo. ''Percebi na maioria das falas um apoio muito grande à Política de Aceleração do Crescimento'', disse  ao Portal do Mundo do Trabalho. ''Mas percebi também uma preocupação, das maiores organizações sociais do país, com o peso que começa a ganhar no debate a outra agenda (da direita).''


 


O ministro disse ainda ter constatado ''uma preocupação muito grande das entidades'' em relação a ''posições conservadoras e retrógradas'' que possam prevalecer na reforma da Previdência. O risco, segundo Dulci, existe. É por receios assim que ele disse defender mais aproximação entre movimentos sociais e governo – duas instâncias que, em sua opinião, nunca estiveram tão próximas na história do Brasil.