Valorização do real faz mínimo atingir históricos US$ 200
“Salário mínimo virou máximo” é o título de uma matéria assinada por Adriana Nicacio e publicada na IstoÉ desta semana. De acordo com a revista, a “valorização do real eleva o ganho dos mais pobres e faz com que o presidente Lula consiga cumprir
Publicado 10/06/2007 15:39
Isso porque, pela primeira vez desde a implantação do salário mínimo no país, o valor ganho pelos brasileiros gira em torno de US$ 200. É um piso salarial inferior a de vizinhos como o Chile e a Venezuela, como revela a tabela abaixo, elaborada pela IstoÉ. Mas, em quatro anos e meio de governo Lula, o mínimo ficou 3,5 vezes maior se avaliado em dólar.
Confira a íntegra da matéria.
Salário mínimo virou máximo
Por duas décadas, o salário mínimo de US$ 100 fez parte do imaginário dos sindicalistas. Essa meta era tida como a única capaz de manter o poder de compra dos trabalhadores, em tempos de inflação galopante. Sabia-se que tão logo fossem alcançados os US$ 100, o novo marco seria de US$ 200, e assim por diante. Pois bem, chegou a hora de se perseguir outro valor, porque desde 1º de junho, quando o dólar bateu em R$ 1,90, o salário mínimo ronda os US$ 200.
Tudo isso devido à valorização do real, claro, e aos aumentos sucessivos do mínimo nos últimos dez anos, que subiu 100% acima da inflação. Na comparação com a América Latina, o Brasil deixou de ter um piso baixíssimo – em 2003 o mínimo equivalia a US$ 56,8 – e conquistou um razoável.
No Chile, por exemplo, a menor remuneração é de US$ 250, na Venezuela é de US$ 286. “Os mais pobres talvez não saibam, mas a desvalorização do dólar é muito boa para eles”, explica o professor Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV/ RJ. “A valorização do câmbio gerou uma redução na inflação para os mais pobres, o que também reduziu a desigualdade”, completa.
É a primeira vez que o mínimo tem o mesmo poder de compra da época de sua criação, em 1940, por Getúlio Vargas, de acordo com Neri. O mínimo de Getúlio foi um dos mais altos do Brasil.
Ar de vitória
A empregada doméstica Márcia Cavalcante Mota, 44 anos, não conhece bem a história, mas garante que está muito mais fácil comprar agora do que há sete anos, quando recebeu o seu primeiro salário mínimo.
Separada do marido, ela se viu obrigada a trabalhar por qualquer preço para sustentar três dos cinco filhos. Hoje, Márcia continua recebendo um salário, R$ 380, mas pode comprar um pouco mais. Para ela, além da remuneração, que tem aumentado, o crédito também está mais fácil.
“Eu fui ao supermercado e comprei R$ 200 em alimentos, dividi em duas vezes”, conta Márcia, com ar de vitória. “No próximo mês, eu compro picado, e assim a gente vai sobrevivendo. Não me importa se o meu salário vale US$ 200, o que me importa é que estou podendo comprar mais.”
Márcia faz parte de uma multidão. O mais importante para 44 milhões de brasileiros é o que o mínimo pode comprar. Para eles, o Dieese tem uma boa notícia. De acordo com o supervisor técnico do Dieese/DF, Clóvis Scherer, em maio, pela segunda vez, foi possível comprar duas cestas básicas com um único salário. A primeira ocorreu em agosto de 2006. Antes disso, só se comprava uma ou nenhuma, como ocorreu, por exemplo, entre maio de 1998 e fevereiro de 1999.
Melhor para quem ganha pouco
Apesar de a queda do dólar não se refletir automaticamente na redução da cesta básica – há outros fatores importantes, como condições climáticas e a safra -, o Índice de Custo de Vida, medido pelo Dieese, mostra que a inflação dos mais pobres foi de 0,38% em maio, um porcentual menor do que a média de 0,63%.
Mas para Márcio Pochmann, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp, o salário mínimo em US$ 200 tem outro significado. “Reflete a artificialidade da taxa de câmbio e é desfavorável para a exportação.” É claro que os exportadores não estão gostando do câmbio alto, mas a competição interna com a entrada de produtos importados beneficia quem ganha pouco.
O benefício, contudo, só existe porque a inflação está sob controle. Ex-ministro do Trabalho, no governo de Itamar Franco, o economista Walter Barelli lembra que comprou uma briga com o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, até conseguir estipular o mínimo em US$ 100.
Conseguiu. “Mas ninguém recebeu US$ 100, porque no dia seguinte valia US$ 98, US$ 95 e a inflação engolia o salário das pessoas”, lembra. Naquela época, a intenção de Barelli era de elevar o salário mínimo à média dos países do Mercosul, o que representava US$ 200, mas a área econômica do governo não queria nem ouvir falar disso.
“O Brasil chegou lá com uma década de atraso”, diz Barelli. “Só que o problema não é a moeda, mas sim o poder aquisitivo. Estamos longe do que se comprava com um salário no tempo de Juscelino Kubitschek.”