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Governo Evo Morales: reforma ou transformação na Bolívia?

Ao completar dois anos na presidência, gestão do ex-líder cocaleiro é posta em xeque por setores da esquerda; nem todos estão contentes.


Por Igor Ojeda, do Brasil de Fato

Era quase uma da tarde do dia 1º de maio de 2006 quando o presidente da Bolívia, Evo Morales, pôs em marcha sua medida de governo que mais repercutiu internacionalmente. O decreto supremo número 28.701 determinou que as empresas petroleiras operando no país eram obrigadas a entregar à YPFB (a estatal boliviana) toda a produção. Estabeleceu, além disso, que 82% da renda obtida com os recursos iriam para o Estado, enquanto as transnacionais ficariam com 18%. Antes, ocorria o inverso.



A arrecadação, como era de se esperar, aumentou consideravelmente. Segundo dados do Ministério de Hidrocarbonetos e Energia, em 2005, o Estado recebeu 608 milhões de dólares. Em 2007, até o mês de março, o valor chegava a US$ 1,57 bilhão. Atualmente, já se estima em mais de US$ 2 bilhões.



“O que o presidente fez até agora nenhum outro fez”, comemora Isaac Ávalos, secretário-executivo da Confederação Sindical Única dos Trabalhadores Camponeses da Bolívia (CSUTCB), referindo-se à nacionalização dos hidrocarbonetos, entre outros pontos que destaca nesses dois anos de governo.



Descontentamento



A recuperação dos recursos naturais era uma das principais promessas de Evo na campanha presidencial. O fato de ter anunciado o decreto 28.701 apenas três meses depois de tomar posse animou os movimentos sociais do país, que passaram a vislumbrar anos de transformações sociais.



No entanto, pouco mais de 20 meses depois, nem todos que levaram Morales à presidência estão contentes com seu desempenho.
A questão dos hidrocarbonetos, por exemplo, é um dos temas polêmicos. “Em termos gerais, não houve nacionalização, pois as transnacionais continuam operando. A única coisa que se fez foi tirar delas umas notas a mais. No processo produtivo, não se tirou todas as atribuições e benefícios. Elas continuam tendo grandes dividendos”, explica o jornalista Julio Mamani, ligado à Central Operária Regional de El Alto (COR- El Alto).



El Alto, cidade muito pobre vizinha à La Paz, foi a protagonista da chamada Guerra do Gás, quando seus habitantes se levantaram contra um projeto do então presidente Gonzalo Sánchez de Lozada de exportar gás natural para os EUA via um porto do Chile, país que “roubou” a saída para o mar da Bolívia.



Agenda de Outubro



Dos protestos, e dos mais de 60 mortos pela repressão do Estado, saiu a Agenda de Outubro. Segundo Mamani, em relação aos hidrocarbonetos, três pontos eram exigidos: nacionalização, recuperação e industrialização. Para ele, nenhum se cumpriu no governo Evo. “A nacionalização passava pela desarticulação completa das transnacionais. Na verdade, pela expulsão delas”. A volta dos investimentos da Petrobras é um dos fatores que mostram que isso não aconteceu.



Além disso, alguns setores da esquerda reclamam que os recursos adicionais arrecadados com os recursos estejam sendo usados em programas assistencialistas, e não na diversificação do aparato produtivo do país. Para piorar, não há gás para o mercado interno, e a Bolívia precisa, por exemplo, importar diesel.



Para Isaac Ávalos, da CSUTCB, isso ocorre porque o governo central fica com uma parte mínima do dinheiro dos hidrocarbonetos. Boa porcentagem vai para bolsas aos idosos e crianças, enquanto outro montante tem como destino os governos departamentais, as prefeituras e as universidades. Segundo Ávalos, nem os prefeitos, nem os governadores estão aplicando esse dinheiro no setor produtivo. “A única forma de ter mais recursos para o governo é modificando a lei do hidrocarboneto. Há a estimativa de se fazer isso no futuro”, diz.



Reformas



Para Gualberto Choque, ex-dirigente camponês e ligado ao Movimiento Al Socialismo (partido do presidente), a maneira com que o governo vem lidando tanto com a questão dos hidrocarburetos quanto com outras áreas explica-se por seu próprio caráter: reformista. “Não há transformação, não há mudança”, lamenta.



Segundo ele, as principais medidas governamentais estão amparadas em políticas assistencialistas, “convertendo a sociedade boliviana em simples perseguidora de um resíduo que se chama esmola”.



Julio Mamani concorda: “Em termos gerais, é um governo burguês de poncho, não está atacando a estrutura”. Tanto para ele quanto para Choque, o grande erro de Evo Morales é fortalecer os movimentos indígenas, em vez de dar um conteúdo de classe às suas ações. “Ele anda divorciado das organizações sindicais, da Central Operária Boliviana (COB), do movimento minerador etc”, explica Mamani.



Segundo Gualberto Choque, isso ocorre porque “a burguesia burocrática se apoderou do governo Molares, e este está levando adiante o programa daquela”.