Greve de policiais cala Serra; governo ameaça punições
A greve dos policiais civis de São Paulo chegou na quarta-feira (17) ao segundo dia e continua nesta quinta-feira (18), segundo entidades da categoria, que estima a adesão em mais de 70% na capital e de 100%, no interior. Já a gestão José Serra (PSDB), qu
Publicado 18/09/2008 19:04
Na quarta, a maior parte das delegacias registrava somente ocorrências mais graves, como casos de roubos, assassinatos e seqüestros. Vítimas de ameaça e furto, mesmo de carros, eram orientadas a voltar para casa.
Carros da polícia ficaram parados durante todo o dia no pátio da Delegacia Seccional de Campinas -em algumas delegacias da cidade nem os telefones eram atendidos. No 11º DP (Santo Amaro), os policiais deixaram as portas encostadas para, segundo admitiram, inibir a entrada da população. Nesse distrito, que registra cerca de 60 boletins de ocorrência por dia, foram feitos só oito desde o início da greve.
Além das ameaças de punição aos grevistas feitas nesta quarta pela gestão Serra, o Ministério Público abriu inquérito para investigar se os policiais estão descumprindo decisão do TRT (Tribunal Regional do Trabalho), que obriga os grevistas a manter ao menos 80% do efetivo e também a continuidade da prestação dos serviços.
Reivindicações
Os policiais reivindicam reajuste de 15%, além de mais duas parcelas de 12% em 2009 e em 2010. O governo deu em 2007 um pacote de benefícios às polícias Civil e Militar que custou R$ 500 milhões e oferece o mesmo valor para este ano.
Escalado para falar em nome do governo, o secretário de Gestão Pública, Sidney Beraldo, ameaçou com punições os policiais que estiverem nos DPs e se negarem a registrar ocorrências. “Está lá presente e não cumpriu a obrigação, a penalidade será disciplinar.”
Em propaganda que começa a ser veiculada nesta quinta, a Secretaria da Segurança Pública diz que “não vai permitir que movimentos sindicais da Polícia Civil venham a colocar em risco a segurança da população”.
O informe ressalta ainda que os grevistas podem ser punidos. Eles poderão, por exemplo, ser acusados de prevaricação (prejudicar o serviço público em benefício pessoal), cuja pena vai de três meses a um ano de prisão, além do pagamento de multa.
“Vaquinha” para comprar materiais
Sob a condição de anonimato, policiais do 11º DP, em Santo Amaro (zona sul de SP), fizeram questão de mostrar a situação do local, que segundo eles, é “caótica”. Os funcionários revelaram que faltam papel higiênico no banheiro que atende ao público, tinta para impressoras e até carros oficiais no pátio.
Policiais disseram que fazem “vaquinhas” para fazer o que o estado não faz: arrecadam dinheiro para comprar materiais. Cerca de 11 carros policiais estacionados no local, mas só seis estavam funcionando e conservados. Os demais nem sequer andam em decorrência da falta de peças de reposição e estão sendo consumidos pela ferrugem.
De acordo com um dos policiais do 11º DP, os carros estão parados há tanto tempo que só a troca por automóveis novos resolveria o problema. Sem carros, o trabalho, dizem os policiais, fica comprometido em um DP como o 11º, que registra cerca de 60 ocorrência por dia -a maioria é de estelionato, furto e roubo-, mas em dois dias de greve, registrou só oito urgências.
Além da falta de papel higiênico e de carros, também há escassez, segundo os policiais, de tinta para a impressão dos boletins de ocorrência, que ficam praticamente ilegíveis. Na quarta, dois cartazes com a inscrição “greve” foram pregados na porta da delegacia. Além do aviso, os policiais haviam colocado um calço embaixo da porta para dificultar a entrada. Indagados porque trabalham numa situação em que eles assumem como caótica, os policiais dizem: “é por paixão”.
Greve: resultado do descaso tucano
O secretário de Gestão Pública também disse acreditar que o movimento foi desencadeado nas últimas semanas a reboque da campanha eleitoral -momento em que, segundo ele, o Estado ficaria politicamente fragilizado para tomar medidas mais duras contra a categoria e estaria mais disposto a negociar.
“Estamos em período eleitoral e isso pesa”, disse Sidney Beraldo. Ele descartou a ligação das entidades com candidatos ou partidos políticos, mas vinculou o movimento grevista à sucessão de poder nas entidades de classe dos delegados.
Representantes da associação e do sindicato dos delegados de polícia do Estado negam que o movimento esteja se aproveitando do período eleitoral. “A greve não está relacionada à eleição. Em nenhum momento mencionamos o nome do governador ou o partido dele nesse movimento”, disse José Martins Leal, da associação dos delegados.
Sérgio Marcos Roque, do sindicato dos delegados, disse ainda que a greve não tem ligação com a eleição da entidade, que só ocorre em 2010. Também participam ativamente do comando de greve a associação e o sindicato dos investigadores e dos escrivões.
Todas as entidades dizem ainda não ter vínculos com partidos políticos ou centrais sindicais. Martins Leal e Roque disseram ainda que, apesar das ameaças de punições do governo, a greve continua.
Serra se cala na greve
Embora negue que o governo esteja perdendo a batalha de comunicação para as entidades, Beraldo diz que as propostas do estado não vêm chegando à base da categoria. “O papel [da mídia] é fazer chegar as propostas para toda a categoria, pois as entidades não têm passado a todas as categorias o que propomos”, disse.
O secretário atacou ainda as reivindicações apresentadas pelos policiais civis, como a da eleição direta para delegado-geral de polícia. “Falta bom senso às entidades. Essas questões colocadas na mesa só contribuíram para dificultar ainda mais.”
O governador se recusou na quarta a falar sobre a greve. Questionado quatro vezes, ele disse que cabia aos seus subordinados a tarefa de dar explicações. Serra chegou a interromper uma entrevista quando questionado sobre a paralisação dos policiais, durante evento na zona leste da capital. Perguntado sobre qual orientação que daria a quem não conseguisse atendimento nos DPs, respondeu “a Secretaria da Segurança fala sobre isso”.
Governo se nega a negociar
O secretário de Gestão Pública, Sidney Beraldo, afirmou que as negociações só serão retomadas quando a paralisação acabar. “O governo não trabalha sob pressão. Essa greve não contribui em nada”, afirmou. Segundo ele, não haverá nova proposta nem mesmo as já feitas serão encaminhadas à Assembléia Legislativa.
No segundo dia de greve dos policiais civis, as entidades comemoraram aumento de adesão. Até as 19 horas de ontem, o número de boletins de ocorrências registrado nos 93 Distritos Policiais da capital havia sido 57,5% inferior ao computado na segunda-feira – último dia útil antes da greve. “O governo não negocia com a greve? Ora, ele não negociou sem a greve. Desde fevereiro tentamos abrir negociação”, afirmou o delegado André Dahmer, da associação dos delegados de polícia.
Os delegados exigiam 60% de reajuste, mas, nas negociações no Tribunal Regional do Trabalho (TRT), concordaram em receber 15% em 2008, 12% em 2009 e 12% em 2010. O governo rejeitou.