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Por que os poemas de um sem-teto anônimo causam comoção

Eles são cada vez mais visíveis. Mas os passantes cruzam com eles aparentemente sem vê-los. Indiferentes, constrangidos. Suas sombras furtivas, miseráveis, aqui e ali nas estações ou nos parques, lembram bruscamente a muitos de suas próprias dificuldad

Completamente inquietante, uma voz se eleva deste mundo de “náufragos” da prosperidade. Desde o fim de 2008, o jornal Asahi publica poemas curtos de um autor sem-teto que permanece anônimo. E, certamente pela primeira vez, os leitores desse jornal descobrem através de suas palavras esse “povo de baixo” que, durante a noite, dorme em caixas de papelão aos pés daqueles que se apressam para não perder o último metrô.


 


Como outros jornais, o Asahi tem uma coluna poética na qual são publicados poemas do gênero clássico waka, curtos e de beleza austera e melancólica, enviados por leitores que foram selecionados por um júri. Os concursos de poemas pertencem a uma tradição milenar no Japão. E os jornais a seguiram. A julgar pelo número que cartas de incentivo que o Asahi recebe, os poemas desse homem miserável, da rua, emocionaram mais do que um leitor.


 


A canção de Gréco


 


“Acostumado a viver sem chaves, eu passo o ano novo. De que mais ainda preciso me desapegar?” “Esta rua se chama a rua dos filhos infiéis. Eu não tenho pais, nem filho”. “O homem não vive somente de pão, mas eu passo meu dia com o pão distribuído…” Sob uma noite estrelada, essa canção de Juliette Gréco, com letras de Jacques Prévert e música de Joseph Kosma, embalou o seu sono: “Adormecendo sob um céu estrelado, escutei a canção de Gréco. Era só uma ilusão…”


 


O poeta anônimo assina seus textos com o pseudônimo de Koichi Koda, mas o campo “endereço” que acompanha a publicação do poema, normalmente obrigatório, comporta a simples menção: “sem”. O autor provavelmente vive no bairro de Kotobuki-cho, em Yokohama, uma das vilas de albergues decadentes, uma dessas armadilhas da cidade para onde correm os sem-teto.


 


A letra cuidadosa e a referência à canção de Juliette Gréco (que data dos anos 1950) fazem pensar que o homem é culto e deve ter mais de 70 anos. Logo depois da publicação de seus poemas pelo Asahi, o poeta anônimo enviou outro: “Ao ler o artigo a meu respeito, como se tratasse de alguma outra pessoa, lágrimas me vieram aos olhos”.


 


O jornal o chamou para que se apresentasse, nem que fosse para lhe pagar a pequena remuneração que acompanha a publicação do poema. “Estou comovido com sua gentileza, mas por enquanto não tenho coragem de entrar em contato com vocês”, ele respondeu.