Soluções para a crise separam empresários e trabalhadores
O debate sobre a crise econômica, realizada nesta quinta-feira (26), pela Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara, ainda não alcançou a sinergia entre o patronato e os trabalhadores como quer o presidente, deputado Edmilson Valentim (PCdoB-RJ).
Publicado 26/03/2009 15:38
Os trabalhadores, representados por Jacy Afonso, da CUT, fazem a defesa da manutenção do emprego, redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais e ratificação da Convenção 158 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que impede a demissão sem justa causa, como mecanismos para combater os efeitos da crise.
Os empresários, que tinham na mesa dois representantes – do comércio e da indústria, apresentaram também a proposta de preservação dos empregos como meio de superar a crise. Mas Flávio Castelo Branco, representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI) ressaltou que “não a manutenção a qualquer preço”, condicionando as vagas de trabalho a uma série de medidas que devem ser adotadas para garantir a produção e a demanda.
Apesar das discordâncias, Valentim identificou pontos de sinergia, que passa pela visão da crise, a questão do crédito, a revisão da política monetária e fiscal e preocupações com o nível de emprego; e disse que manteria os debates para que as forças políticas e o Estado, patronato e trabalhadores, possam construir ações políticas para perseguir o desenvolvimento e o emprego
Todos contra um
Em comum, trabalhadores e patrões têm críticas à postura do Banco Central que, ao contrário de todos os demais países, demorou em reduzir as taxas de juros e quanto o fez foi em níveis pequenos. Gil Siuffo, representante da Confederação Nacional do Comércio (CNC), o primeiro a falar, deu o tom das críticas. “Estamos atrasados. O Chile cortou 6% a taxa de juros e o Brasil só 2,5%. Mudou tarde e nós estamos sofrendo as conseqüências.” O Bando Central esqueceu o setor real da economia e continuou preocupado com a inflação. ‘É como se o barco estivesse afundando e ele estivesse fazendo exercícios de tiro ao alvo, comparou.
O comércio, no entanto, é o que menos tem do que se queixar. Siuffo admitiu que o impacto maior foi sobre a indústria e a exportação. O setor de combustível que representa um termômetro do desempenho do comércio varejista, não sofreu redução. Segundo ele, as pessoas continuam com poder de compra.
Nesse ponto, o representante da CUT, que entrou no debate lembrando que todas as medidas que hoje são sugeridas pelo empresariado sempre foram defendidas pelos trabalhadores, disse que o poder de compra do trabalhador está preservado graças à política de valorização do salário mínimo.
Crise é sistêmica
Jacy Afonso disse que a crise é do sistema capitalista. E que é importante procurar saídas internacionais e não apenas no Brasil. A tese de restrição do papel do Estado e valorização do mercado está em crise, destacou, enfatizando o que vem sendo o mote das manifestações dos trabalhadores no combate aos efeitos da crise: “Não podemos permitir uma socialização dos prejuízos.”
Empresas que deixaram de investir na produção para especular como Aracruz e Sadia foram as primeiras a demitir trabalhadores. Segundo Jacy, as empresas se aproveitam da crise para demitirem. Para ele, o momento é do Congresso ratificar a Convenção 158 da OIT, que evita a demissão imotivada. Segundo ele, a medida se já aprovada teria evitado as demissões da Embraer.
O representante dos trabalhadores disse ainda que a regulamentação do sistema financeiro, que hoje é defendida até pelo centro do sistema financeiro – os Estados Unidos – sempre fez parte das reivindicações dos trabalhadores, que viam no capital especulativo uma ameaça, que se tornou real, ao trabalho produtivo.
Nesse debate, ele inclui a necessidade de regulamentação do artigo 192 da Constituição, que trata da regulamentação do sistema financeiro nacional, “estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito,” e a ampliação do Conselho Monetário Nacional (CMN), com participação dos trabalhadores.
Bancos monitorados
Carlos Tadeu de Freitas, economista, professor e técnico no setor do comércio varejista, trazido pela CNC, mostrou como saídas que podem ser utilizados para ultrapassar a crise, a volta do crédito. “Dinheiro não falta, ele não está chegando onde deve e não consegue porque não há confiança”, avalia.
Ele manifestou preocupação que o dinheiro que seja colocado nos bancos seja monitorado e vá para o crédito. Nos Estados Unidos, eles estão exigindo essa transparência para evitar casos como o pagamento de bônus aos executivos como ocorreu com a Seguradora AIG. “Aqui no Brasil nós não temos isso ainda. O BC libera o crédito para o banco e eles têm liberdade de voltar para o BC e não para o crédito”, disse, alertando para a necessidade de adoção de um sistema de monitoramento dos recursos.
Emergenciais e Longo Prazo
Flávio Castelo Branco, a exemplo dos demais palestrantes, fez análise da crise, mas se deteve na apresentação do que considera soluções para a crise. Ele, que tem uma visão definida como moderadamente otimista, acredita que a superação da crise na indústria ocorrerá no segundo semestre de 2009, embora persista por mais tempo lá fora.
Como a comissão deve se manifestar em forma de projetos e sugestões, ele afirmou que existem ações emergenciais e de longo prazo. As emergenciais tem efeitos transitórios, enquanto as de longo prazo tem resultados permanentes, lembrando que tem que haver preocupação com as duas ações.
Ele enumerou as ações emergenciais como manter a liquidez da economia, preservar o capital de giro, ampliar prazo de pagamento de tributos e preservar empregos. Ao mesmo tempo, propõe como medidas da agenda de longo prazo a reforma tributária, previdência, relações de trabalho e regulação para dar maior eficiência e flexibilidade aos mercados. Sugeriu ainda a contenção dos gastos públicos e preservação de investimentos.
Apesar do dia de baixo movimento na Casa, o debate contou com a participação de debutados de vários partidos e posições. Todos se interessaram em saber detalhes dos impactos da crise nos setores produtivos e de emprego. Ao contrário da Mesa, onde o empresariado estava em maior número, os deputados na platéia se posicionaram favoráveis às medidas de defesa do trabalho, alertando para a necessidade de manter o círculo virtuoso de trabalho-produção-demanda, o que garante o desenvolvimento do País.
Esse foi o raciocínio defendido pelos deputados comunistas Chico Lopes (CE) e Jô Moraes para se contraporem a fala do deputado Edson Ezequiel (PMDB-RJ) que disse ser difícil defender redução da jornada de trabalho em momento de crise, que deveria ter sido adotada no momento de bonança.
De Brasília
Márcia Xavier