Diploma de Jornalista II
Depois da decisão do STF sobre a desnecessidade de diploma para o exercício da profissão de jornalista, uma discussão paralela vem mobilizando a atenção de alguns juristas, embora desconhecida do grande público: pode o Congresso fazer lei exigindo o di
Publicado 30/06/2009 15:00 | Editado 04/03/2020 16:51
A questão é do mais alto interesse e envolve grande indagação de Direito Constitucional. Pela Constituição brasileira, o STF é o seu guardião. Cumpre-lhe defendê-la das agressões do legislador, da Administração Pública e até dos particulares. Esta é sua finalidade precípua e é para isto que existem tribunais e cortes constitucionais em todos os países. Se a Constituição é violada, quebra-se a hierarquia do ordenamento jurídico e deixa de existir o respeito às leis, responsável pela ordem social e pelo estado de direito.
Mas, também, está na Constituição que cabe ao Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) legislar sobre todos os assuntos de interesse do povo. Se ao Supremo é dada a competência para interpretar, ao Congresso é outorgada a competência para criar a norma. Todo e qualquer assunto, respeitada a Constituição, a ética e a moral vigentes e os princípios da cultura jurídica universal, pode ser objeto de lei e transformar-se em norma vigente na sociedade humana.
Se o STF declara uma lei incompatível com a Constituição, exerce sua função autêntica e prioritária. Do mesmo modo, o Congresso, quando cria a lei. Se ela é julgada inconstitucional, pode o Parlamento repeti-la? Eis a questão.
Alguns ministros do Supremo e outras autoridades federais (por exemplo, o Advogado Geral da União) vêm afirmando que o assunto está encerrado e o legislador não pode mais exercer sua competência legislativa sobre o tema.
Esta afirmativa é errada e não se sustenta perante a lógica jurídica. A Constituição afirmou que – “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” – art. 5º, XIII. Portanto garantiu a liberdade de escolha e o exercício de qualquer profissão, mas deu também ao legislador a faculdade de estabelecer “qualificações profissionais”, considerando as exigências técnicas, sociais e políticas de determinados profissionais.
O STF entendeu que a profissão de jornalista é livre, não estando sujeita à “qualificação profissional”. Portanto julgou contra a Constituição, que permite ao legislador fixá-la. O Decreto-Lei 972/69, certo ou errado, impôs a exigência do diploma e foi recepcionado pela Constituição atual, pois em nada a contraria. Pelo contrário, revigora sua exigência de estabelecer qualificações profissionais.
Se o STF entende o oposto, pode a interpretação ter prioridade sobre a legislação? A resposta é negativa. Não pode. Se a lei é, pela via interpretativa, contrária à Constituição e se o Congresso entender diversamente, pode ele perfeitamente fazer nova lei que predomine sobre a orientação do Supremo. Caso contrário, o Judiciário passaria a ter mais força que o legislador. E estaria subvertido o mandamento de harmonia e independência entre os Poderes do Estado.
E note-se que não é sequer necessária emenda constitucional. Basta uma lei ordinária. Entre quem faz a Constituição e quem a interpreta, a predominância é do primeiro, em caso de conflito.
Normalmente, o legislador não reedita lei considerada inconstitucional. E está certo, pois assim evita o conflito entre Poderes. Mas, se entende o contrário, tem plenos poderes para corrigir a interpretação que considera errada do Judiciário e impor a norma que entende correta.
O legislador é eleito pelo povo. E é dele, e não dos juízes, que emana todo e qualquer Poder dentro de um Estado democrático. A vontade popular é o fundamento da democracia representativa. É a sua força básica e o limite de sua ação. Se a vontade popular é contrariada, o regime não é mais democrático, pois resvala para o campo do arbítrio e da usurpação.
Ainda resta esperança aos jornalistas, se sua justa causa pelo diploma for encampada pelo Congresso Nacional.
Antônio Álvares da Silva
Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG
Publicado no jornal Hoje em Dia (30/06/2009)