Análise: É preciso intensificar financiamento de longo prazo
É cada vez mais evidente a limitação de fontes de financiamento do investimento na economia brasileira.
Por Julio Gomes de Almeida* na Terra Magazine
Publicado 19/01/2010 15:16
Na segunda metade de 2008 e em boa parte de 2009, em função da crise internacional, as fontes externas de financiamento sofreram um forte revés e o desenvolvimento que vinha sendo observado no mercado de capitais brasileiro retrocedeu em razão do menor atrativo de aplicações em ações e da fuga de recursos de origem externa. Com a fase de menor incerteza que vive a economia mundial e a recuperação da economia brasileira, esses fatores começaram a ser revertidos.
Como a necessidade de financiamento do investimento público e privado no país manteve-se em grande parte intacta mesmo no período mais adverso da crise internacional, a restrição de fontes de financiamento alternativas levou o BNDES a ampliar extraordinariamente suas operações, o que, por seu turno, teve que contar com recursos do Tesouro obtidos mediante aumento da dívida pública. Trata-se de um padrão de financiamento que não é de todo adequado, sendo, no entanto, o possível diante das circunstâncias.
Mesmo em uma situação de maior normalidade das conjunturas externa e interna, o Brasil não conta com fontes que outros países desenvolvidos e que economias emergentes têm à sua disposição. Por exemplo, não dispõe de crédito de longo prazo do sistema bancário doméstico. No caso do mercado de capitais, mesmo este tendo experimentado um avanço expressivo nos dois anos que antecederam a crise internacional, nunca formou como parte relevante do financiamento das empresas do país, salvo para determinados segmentos. Além da geração própria de recursos, resta a fonte externa e os fundos dos órgãos oficiais de crédito, destacadamente, o BNDES.
São conhecidas as limitações de acesso à fonte externa e os perigos que a excessiva dependência de recursos do exterior pode acarretar para a economia. Por outro lado, depender da fonte oficial é uma "via de escape", que pode mostrar-se capaz de amparar financeiramente um ciclo de investimentos, como estamos observando presentemente, porém com ônus para o setor público. Em outras palavras, o governo e o BNDES agiram corretamente ao não paralisarem os seus esforços para o financiamento dos investimentos em curso no país, mas disso não se deduz que a economia brasileira não tenha lacunas muito sérias em seu financiamento de longo prazo.
Estão ficando maduras as condições no Brasil para que os detentores de riqueza financeira e os intermediários financeiros aceitem destinar parcela mais expressiva dos seus recursos para operações mais longas e para operações típicas de risco. Uma dessas condições é dada pela redução da taxa básica de juros. Seu nível atual embora seja ainda elevado para padrões internacionais e restrinja o atrativo de operações de longo prazo e as apostas mais arriscadas, já anima investidas nessas áreas.
Porém, o percurso para que o país venha a ter fontes efetivamente adequadas para o financiamento pode ser muito longo. Alguns segmentos talvez partam na frente devido a certas características próprias e dessa forma obtenham uma capacidade maior de financiamento com base em fontes voluntárias. É o caso, por exemplo, do financiamento imobiliário que deve receber um aporte significativo de recursos externos e internos já no corrente ano de 2010. O financiamento a outras modalidades de investimento, como as inversões em projetos industriais e de infra-estrutura, poderá demorar um período prolongado.
Um objetivo de política econômica desse final de governo seria identificar ações e incentivos que possibilitem abreviar e intensificar o desenvolvimento de fontes de financiamentos de longo prazo nas áreas do crédito bancário e mercado de capitais. Tais desenvolvimentos viriam complementar a fonte externa de financiamento assim como a fonte oficial, desta forma, desafogando o "congestionamento" do crédito de longo prazo no BNDES e em mecanismos de direcionamento de recursos (como o sistema de poupança).
O objetivo pode ser concebido também como sendo construir o mais rapidamente possível um modelo de financiamento do investimento realmente adequado ao país. Neste modelo terão papel destacado as fontes voluntárias já referidas, especialmente no que diz respeito ao crédito privado de longo prazo, mercado de ações e mercado de títulos corporativos. Embora com menor preponderância no financiamento global, restará amplo e decisivo espaço para os mecanismos públicos de financiamento e para o direcionamento do crédito – que por seu papel estratégico na promoção do desenvolvimento e como instrumento anti-cíclico não devem ser removidos.
Júlio Gomes de Almeida é professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.