Mazé: instalação e arte conceitual, infernos das artes plásticas
A artista plástica Mazé Leite precisa de uma boa apresentação, que deixo a cargo dela mesma. Nesta entrevista, ela polemiza duramente com o rumo atual das artes plásticas contemporâneas no Brasil e no mundo. Critica o expressionismo abstrato, a arte conceitual hegemônica, e o simplismo de considerar a história como se não fosse “composta de fatores muito complexos que se combinam em muitas formas de expressão”.
Por Walter Sorrentino, em seu blog
Publicado 29/01/2010 11:56
Ela faz ainda uma defesa apaixonada da arte realista e condena “o artista desinteressado das grandes questões da vida política e social do nosso país”, postura que em si mesma já é uma tomada de posição política. Leia abaixo:
Walter Sorrentino: Mazé, como leigo, vejo o tema das artes plásticas dominado pela abstração e mercantilização no mundo todo. Como se chegou a isso, como isso chegou ao Brasil?
Mazé Leite: Sim, Walter, precisamos situar historicamente as artes plásticas brasileiras, apenas vou resumir um pouco. No final do século XIX alguns artistas brasileiros que haviam ou estudado na Europa, especialmente em Paris, ou aprendido com mestres europeus, se destacavam no cenário artístico brasileiro.
Com a chegada no Brasil da família Real portuguesa, veio com eles a Missão Artística Francesa que mudou os rumos da nossa Arte Plástica, dominada até então pelo Barroco e o Rococó. Trouxeram com eles o estilo Neoclássico, acadêmico, e sem muita afinidade com a cultura brasileira de então. Alguns brasileiros se destacaram, como Victor Meireles e Pedro Américo, por exemplo. Mas foi Almeida Junior quem primeiro rompeu com o academicismo e se voltou à paisagem brasileira, seguido por Victor Meireles.
Em 1922, artistas de vários campos iniciaram o processo que revolucionou a vida cultural e artística brasileira, com a Semana de Arte Moderna. É bom lembrar que foi em meio a essa efervescência cultural, artística, social e política que nasceu também o Partido Comunista do Brasil.
Ou seja, o PCdoB nasceu com a modernidade brasileira. Nessa época, muitos artistas se destacaram e marcaram as artes plásticas brasileiras até a década de 50: Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Cândido Portinari, Lasar Segall, Clovis Graciano, Carlos Scliar, Quirino e Hilda Campofiorito etc. É bom lembrar que a maioria desses e de outros artistas foi filiado ao Partido Comunista do Brasil.
Com o advento da Guerra Fria, após a segunda guerra mundial, uma poderosa campanha ideológica foi iniciada e levada a termo pela CIA estadunidense, influenciando fragorosamente os rumos estéticos das artes plásticas no mundo, impondo o que ficou conhecido como o Expressionismo Abstrato.
Na verdade, era uma contraposição estética ao Realismo Social nas Artes que estava presente nos principais países do mundo, incluindo a França, polo artístico central. Aqui no Brasil, todos os artistas citados, além de outros, seguiam os padrões estéticos modernos, que foram longamente experimentados não somente na França como na própria Rússia e depois na URSS.
Havia uma pluralidade de pesquisa estética riquíssima naquela época em que todos desejavam romper com os padrões burgueses, conservadores. O Realismo Socialista, que alguns preferem chamar de Realismo Social, foi apenas um dos diversos movimentos artísticos que influenciaram diretamente nossa pintura.
Mas, para além da Estética, havia a preocupação do artista daquele período de participar ativamente dos processos de mudança que o mundo solicitava. E isso acontecia em todo canto. Até a CIA orquestrar uma campanha de cunho internacional onde desviava o centro das artes plásticas de Paris para New York, incentivando a Arte Abstrata e Conceitual, para barrar a influência da ideologia comunista que atraía tantos artistas ao redor do mundo.
Foram realizados Festivais internacionais, Salões e Bienais de Arte, vendendo a imagem de modernidade que teria o Expressionismo Abstrato, e denegrindo os artistas que insistiam em outros rumos. Muito dinheiro foi gasto nesse projeto, que acabou de fato fazendo com que o Expressionismo Abstrato acabasse hegemonizando as artes plásticas, trazendo sua influência até para os artistas brasileiros, da década de 50 em diante.
Na história da Bienal de São Paulo, por exemplo, a estudiosa da Arte Brasileira Aracy Amaral, da USP, aponta que houve também lá o dedo da CIA. Nas primeiras quatro bienais de Arte paulistas, foi exigido que uma porcentagem dos quadros expostos fosse de artistas abstratos norte-americanos.
Claro que outros artistas participaram também, e não podemos esquecer de nossa camarada Edíria Cordeiro, artista plástica e viúva de João Amazonas, que participou também de uma dessas primeiras Bienais. Mas o fato é que essa influência da Arte Abstrata realizada nos EUA, com Jackson Pollock e outros, gerou artistas como o pop Andy Warhol, que expunha latas de sopa, garrafas de coca-cola, notas de dólar, assim como retratos de Marilyn Monroe e Jaqueline Kennedy, por exemplo.
Desde essa época, a chamada Arte Conceitual – um dos ramos das Artes Contemporâneas – vive se repetindo em todos os Museus de Arte Contemporânea mundo a fora, de uma forma que já alcançou a exaustão. Pelo menos para mim. Instalações e Arte Conceitual são os infernos das Artes Plásticas atuais.
Fora isso tudo, o mercado domina o campo das artes plásticas também. O mercado é o grande senhor que vive em busca da novidade, da esquisitice, do non-sense que possa ser transformado em mercadoria e vendido no mercado de ações inclusive, ou em grandes leilões bilionários.
Não tenho o menor orgulho de brasileiros que se venderam a esse modelo, como Beatriz Milhases, que hoje é vendida fora do Brasil por milhões de dólares e seus quadros são repetições cansativas de padrões coloridos que não dizem nada. Assim como o tão endeusado pela mídia atual, o publicitário Vicky Muniz, que pinta cópias de quadros como o da Mona Lisa de Leonardo Da Vinci feito com catchup. Romero Brito, também hipervalorizado no mercado da arte, pernambucano que se mudou para Miami, pinta quadros que viraram kitchs e modelos para todo tipo de objeto, dos quais ele recebe milhões de dólares.
Ou seja, o que temos hoje, predominando nas artes plásticas, com raras exceções, é a idiotice da Arte Conceitual e das instalações absurdas. As escolas de arte brasileiras, hoje, “ensinam” inclusive que o artista não precisa mais saber sequer desenhar. Basta ter uma boa ideia.
Então alcançamos essa coisa absurda que é o quadro sustentado por um discurso acadêmico e chato. E o pior é que os artistas que não se enquadram dentro desse esquema, são relegados, chamados de conservadores quando são excelentes na técnica do desenho, por exemplo. Eles esquecem, esses arautos da contemporaneidade conceitual, que os grandes mestres se dedicaram anos a fio em busca da perfeição da técnica. E é com isso que sua arte atravessa séculos.
Mas voltando à pergunta: vemos, então, dentro desse quadro caótico das artes plásticas de hoje, o artista desinteressado das grandes questões da vida política e social do nosso país, entende? Mas essa postura já não é em si, política? Não é esse um dos ditames preferidos do pensamento neoliberal, de que a política não deve atrair nenhum interesse? O artista que foge a seu papel de agente transformador com sua arte já não estará tomando uma posição política?
Walter Sorrentino: Mas existem questionamentos a essa chamada arte contemporânea?
Mazé Leite: Felizmente, sim! No Brasil, apenas está começando, mas dois grandes nomes da nossa crítica de arte, que são Afonso Romano de Sant’ana e Ferreira Gullar, têm escrito exaustivamente contra essa arte que se vendeu ao mercado, ao capitalismo. Assim como o jornalista Luciano Trigo, que recentemente lançou um livro que merece ser lido por todos os que tenham interesse em compreender o que está acontecendo hoje com as artes plásticas. O título do livro por si só, já fala tudo: A Grande Feira, uma reação ao vale-tudo na arte contemporânea.
Fora do Brasil, segundo estou sabendo, o debate está se acirrando um pouco mais. Um grande nome tem sido o do crítico norte-americano Tom Wolfe. Há também um autor francês atual, Michel Dupré que em seu livro Réalisme, Peinture et Politique está pondo em questão o que de fato foi o Realismo Socialista, do qual muitos comunistas sentem até uma espécie de vergonha de falar.
Dupré levanta a ideia de que ninguém conhece ao certo o que foi esse movimento do Realismo Social na URSS e todos se rendem à campanha difamadora da mídia e de um certo setor da intelectualidade que não tem interesse algum na verdade da história. Passou-se a uma análise simplista demais, como se a história não fosse composta de fatores muito complexos que se combinam em muitas formas de expressão. Se o Realismo Socialista não tivesse tido um papel importante nas artes plásticas do mundo do século XX, não haveria o esforço tão imenso do aparelho policial estadunidense para impor uma nova estética.
Walter Sorrentino: Mazé, para terminar, fale de você. Um dos objetivos de conversa.com é apresentar não só temas mas também pessoas.
Mazé Leite: Eu nasci em Caruaru, Pernambuco, morei em São Luís do Maranhão durante 16 anos e estou em São Paulo há 24 anos. Comecei a desenhar muito cedo e durante muito tempo fui autodidata na área. Somente em 1980, quando passei seis meses no Rio de Janeiro, estudei desenho e pintura na Academia Brasileira de Belas Artes.
Com a ditadura militar, entrei para o movimento estudantil e me tornei ilustradora, cartunista e diagramadora do material de propaganda do Diretório Central dos Estudantes da UFMA. Em 1979, ganhei o segundo lugar no Concurso Nacional de Cartuns pela Anistia. Participava também, nessa época, de um grupo de cinema de curta-metragem, em Super-8, e ganhamos alguns prêmios em Festivais de Cinema de Curta Metragem, em alguns estados brasileiros. Eu fazia os letreiros dos documentários, além de uma parte das filmagens.
Em 1981 entrei para o PCdoB e a partir daí fazia todo o material de propaganda: diagramações, projetos gráficos, ilustrações, cartazes, e até pichações e grafites de rua. Fui trabalhar na Tribuna da Luta Operária, que logo foi substituída pelo jornal A Classe Operária, como diagramadora e ilustradora. Fiz o projeto gráfico do novo visual da Classe Operária de 1987.
No 7º Congresso do partido, em 1988, pintei os painéis e murais que decoraram o espaço do congresso no Centro de Convenções Rebouças, assim como os painéis da cerimônia de encerramento do congresso no clube Espéria, junto com o artista plástico e então militante comunista Rubens Ianelli.
Atualmente trabalho no setor de comunicação visual da Escola de Magistrados do Tribunal Regional Federal. Em termos de artes plásticas, atualmente faço parte do Atelier de Arte Realista de Mauricio Takiguthi. Nos dois últimos anos participei com desenhos a nanquin em duas exposições na Justiça Federal de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Walter Sorrentino: Fale um pouco de seu trabalho atual…
Mazé Leite: Participo de um atelier cujo mestre, Mauricio Takiguthi, segue a linha dos velhos mestres. Lá nós praticamos o estudo minucioso da técnica do desenho e da pintura. Maurício, assim como muitos outros artistas inclusive nos Estados Unidos, defende a estética do Realismo. E com ele estou seguindo meus estudos de artes, assim como estudando para tentar compreender um pouco mais todo esse mundo tão rico das artes plásticas.
Não podemos esquecer que a primeira pintura conhecida pintada por um ser humano data de 15 mil anos, o famoso bisão descoberto em cavernas da Espanha e da França. Eu acredito que a alquimia que ocorre entre o artista, a tinta e a tela, permanecerá sempre evoluindo e encantando artistas e público, como ocorre há pelo menos quinze mil anos.
Quanto a mim, artista e comunista, meu desejo é que a minha arte possa ser a expressão do meu tempo assim como a janela para um tempo totalmente novo, um homem totalmente novo. Isso é o que me move sempre!
Fonte: Blog do Sorrentino