Comitiva brasileira visita Haiti e planeja ações de solidariedade
Uma comitiva brasileira visitou o Haiti no dia 3 de fevereiro e participou de diversas agendas no sentido de prestar solidariedade e planejar ações efetivas de ajuda ao país, assolado por um terremoto de magnitude 7, em 12 de janeiro e outros dois, de menor escala, subsequentes. Compuseram a comitiva: um brigadeiro, um embaixador, cinco deputados federais e um diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Publicado 11/02/2010 11:50

- Arquivo UNE
A comitiva foi formada pelo brigadeiro Araújo, da Aeronáutica, pelo embaixador Sérgio Danese, do Itamaraty, pelos deputados federais Raul Jungmann (PPS/PE), Janete Pietá (PT/SP), Emiliano José (PT/BA), Couber Martins (PMDB/BA), e Cláudio Cajado (DEM/BA), e pelo diretor de Relações Internacionais da UNE Daniel Iliescu. Seu objetivo foi averiguar a situação do Haiti após a tragédia e o trabalho das Forças Armadas brasileiras na liderança da missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU), assim como no apoio aos esforços de reconstrução do país.
De acordo com o deputado Raul Jungmann, “a Constituição brasileira determina uma co-responsabilidade entre Executivo e Legislativo para o envio de tropas e recursos para fora do Brasil. A iniciativa é do Executivo, mas a decisão final cabe ao Legislativo”.
O embarque foi às 3h da manhã do dia 3 de fevereiro, da Base Aérea Militar, em Brasília (DF). Após uma parada em Boa Vista (RR), para abastecimento, o avião da Força Aérea Brasileira (FAB) pousou em solo haitiano às 7h, pelo horário de Porto Príncipe (10h de Brasília).
Foto: Arquivo UNE |
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Homem segue em direção à imensa fila, ao fundo da foto |
Do aeroporto, a missão dirigiu-se ao Batalhão Brasileiro (Brabatt), onde foi recebida pelo embaixador do Brasil no Haiti, Igor Kipman, pelo Coronel Bernardes, Comandante do Brabatt naquela data, e pelo Coronel Ajax Porto Pinheiro, Comandante do Brabatt a partir deste mês de fevereiro, segundo o rodízio de seis meses implementado pela missão brasileira.
A visão imediata com que a comitiva se deparou foram as enormes filas à espera de comida e água, as grandes aglomerações de haitianos entorno das embaixadas e nas ruas, e pessoas caminhando longas distâncias com cestas ou baldes de água na cabeça.
Foto: Arquivo UNE |
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Cidadão haitiano veste camisa da seleção brasileira |
Brasil, país amigo
Por outro lado, outra percepção imbuiu de certo orgulho os participantes da missão: a de como o Brasil é bem visto pelos haitianos. Vários cidadãos trajavam camisas da seleção brasileira e a referência aos soldados era de pessoas que dedicam suas vidas a ajudar as vidas de um povo muito semelhante ao brasileiro.
Os parlamentares e o diretor da UNE acompanharam palestras sobre a ação do Brasil no país desde 2004 e sobre a situação do Haiti após o terremoto de 12 de janeiro, bem como as operações da Engenharia militar e dos Hospitais de Campanha no atendimento à população.
Logo após, a missão foi à instalação provisória do Legislativo haitiano, aonde encontrou-se com deputados, dentre os quais, o presidente do Congresso, Lucian Coeur.
Foto: Arquivo UNE |
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A comitiva se reuniu com o presidente do Congresso haitiano, Lucian Coeur (ao lado esquerdo, segundo de baixo para cima) |
A proposta apresentada pela UNE aos parlamentares haitianos foi a de enviar, a médio prazo, estudantes concluintes dos cursos de Medicina, Enfermagem, Engenharia, Arquitetura, Agronomia, entre outros, para passar períodos de três ou seis meses para trabalhar na reconstrução do país e intercambiar conhecimento com os estudantes haitianos. Várias escolas e universidades do país foram destruídas.
Encontro com o presidente
A próxima agenda foi o encontro com o presidente do Haiti René Préval, que recebeu a comitiva também em sua sede provisória, em uma delegacia de Polícia. O presidente abriu o encontro falando sobre a situação do povo haitiano pós-terremoto e as condições que o Estado Haitiano tem de coordenar o atendimento emergencial à população e de reconstruir o país. Agradeceu o esforço do Brasil na ajuda humanitária e a cooperação da missão de paz da ONU (Minustah).
Em referência à fala da comitiva brasileira de que nossa ajuda estava submetida à coordenação e à soberania do Estado haitiano, Préval respondeu: “Não acho que os Estados Unidos (EUA) tenham o propósito de ocupar o Haiti e não percebo no Brasil nenhuma ambição imperialista”.
Foto: Arquivo UNE |
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Daniel Iliescu (UNE) com o presdiente do Haiti, René Préval |
René Préval apresentou e pediu apoio brasileiro a três bandeiras importantes para a reconstrução do Haiti que devem ser abraçadas pela comunidade internacional das Nações Unidas: perdão da dívida externa haitiana; não-taxação pelas nações de qualquer produto haitiano durante um período de 20 anos; criação de um fundo único de ajuda ao Haiti sob gerência do Estado haitiano.
Ao propor a não-taxação dos produtos haitianos, o presidente Préval citou a fala do ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim, no Fórum de Davos. Já a proposta do fundo único foi inspirada em fala do presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick.
A UNE apresentou sua proposta também ao presidente do Haiti. O Presidente Préval, na fala de encerramento do encontro, valorizou o oferecimento dos estudantes brasileiros: “Recebo com muita satisfação a proposta do representante da UNE. Vamos junto ao Embaixador Igor pensar formas de desenvolver este projeto.
Foto: Arquivo UNE | Foto: Arquivo UNE |
Foto: Arquivo UNE |
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Coronel Ajax Porto Pinheiro com Daniel Iliescu (UNE) | Haitiana com blusa do Projeto Viva Rio, ONG brasileira | Daniel Iliescu (UNE) com estudante haitiano, que disputa vaga em programa para estudar no Brasil |
Minustah
Foto: Arquivo UNE |
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Após o terromoto, o único comércio existente no Haiti é o de rua |
De volta ao Brabatt, a comitiva brasileira reuniu-se com o chefe da Minustah, o guatemalteco Edmond Mullet. O ex-chefe da Minustah, o tunísio Hedi Annabi, morreu no terremoto, assim seu adjunto brasileiro, Luiz Carlos da Costa. O guatemalteco era o chefe da missão de paz antes de Hedi Annabi, e reassumiu imediatamente após o terremoto. Neste rápido encontro, Mullet expôs a fundo questões da sociedade haitiana, além de dados históricos sobre o país, citando os golpes de Estado, as ocupações e ditaduras a que o povo já esteve submetido.
Antiga colônia francesa, o país é a primeira república negra do mundo, sendo fundada em 1804 por antigos escravos. Marcada por uma série de governos ditatoriais e golpes de estado, a população haitiana presenciava uma guerra civil e muitos problemas socioeconômicos até o terremoto. O Haiti já era, antes da tragédia, o país economicamente mais pobre da América, seu Índice de Desenvolvimento Humano estava em 0,532; aproximadamente 60% da população era subnutrida e mais da metade vivia com menos de 1 dólar por dia. Estes eram os dados que davam o retrato do país mesmo antes dos terremotos.
Ainda segundo Mullet, 86% de quem forma-se no ensino superior sai do país. Os destinos mais comuns são EUA, Canadá, França e República Dominicana. Além disso, o Haiti perdeu milhares de quadros técnicos, teóricos, políticos etc.
Crescimento demográfico e violência contra a mulher
5,2 filhos por mulher é a altíssima taxa de natalidade haitiana. Conversando com uma brasileira residente no Haiti, a comitiva ouve o relato de uma dramática realidade, que revela um dos motivos: “São os únicos nove meses em que a mulher não apanha”.
Foto: Arquivo UNE |
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Os acampamentos se espalham por toda a capital de Porto Príncipe |
Em visita ao Centro da Cidade, ao Bel Air (bairro mais afetado pelo terremoto), à Petit Village, os brasileiros observaram os efeitos destruidores da tragédia. Dos 15 ministérios do país, 13 foram completamente destruídos. O Palácio do Governo, tido como a mais bela construção do país, o Palácio da Justiça, o Hotel Montana, principal hotel do país, e uma infinidade de prédios públicos, residências, estabelecimentos comerciais foram reduzidos a pó, pedra e ferragens.
Em Bel Air, Daniel Iliescu e os parlamentares visitaram a sede da ONG Viva Rio, maior ação civil brasileira no Haiti. Projetos como aulas de capoeira e futebol, além de distribuição de alimentos e água são as principais ações da Vivo Rio por lá. A UNE tratou com a ONG sobre a realização de campanhas e ações conjuntas de doações e voluntariado. Por fim, uma visita breve à embaixada brasileira, também em instalação provisória.
Estima-se que o Haiti tenha entre 9 e 10 milhões de habitantes, sendo cerca de 4 milhões na capital, Porto Príncipe. E tratam-se apenas de estimativas mesmo, pois não há registro civil no país, devido à fragilidade da institucionalidade do Estado haitiano.
Foto: Arquivo UNE |
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Haitianos carregam baldes, andam longas distâncias e enfrentam filas gigantescas em busca de água e mantimentos |
Calcula-se que até um milhão de pessoas estejam desabrigadas, 600 mil feridos e quase 200 mil mortos, dentre os quais 18 militares brasileiros, o chefe adjunto da Minustah Luiz Carlos Costa e a ativista Zilda Arns, irmã do arcebispo Dom Evaristo Arns.
Os deputados brasileiros que voltaram do Haiti na quinta-feira (4/2) defenderam a realização de uma comissão geral da Câmara para discutir a reconstrução do país caribenho. A intenção é debater o tema com os ministros da Defesa, Nelson Jobim; e das Relações Exteriores, Celso Amorim, entre outras autoridades, em busca de ações duradouras que permitam ao Haiti reerguer-se como nação.
De São Paulo, Luana Bonone, com informações da UNE, do Brasil Escola e da Agência Câmara
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