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Haitianos protestam contra Sarkozy e pedem indenização

Recebido em Porto Príncipe nesta quarta-feira (17) com pompa e circunstância, o presidente francês Nicolás Sarkozy chega ao Haiti para uma visita de dois dias, prometendo mundos e fundos para ajudar o país, devastado pelo terremoto de 12 de janeiro. Porém, sua presença reaviva na memória dos haitianos a cruel colonização do país pela França nos séculos 18 e 19.

O presidente francês prometeu 230 milhões de euros de ajuda ao Haiti nesta quarta-feira, na primeira visita que um presidente francês faz ao Haiti, a colônia mais rica que o império francês possuiu.

Sarkozy, recebido com festa pelo presidente haitiano René Préval, ao som de uma orquestra tocando a Marseillaise, passeou por um hospital de campo francês e viu o que restou da capital a bordo de um helicóptero.

"Eu só quero dizer ao povo haitiano: Vocês não estão sozinhos", pronunciou solene aos que o seguiam no terreno do Palácio Nacional, prédio sede do governo que sucumbiu ao terremoto de 12 de janeiro.

Muitos agradecem a ajuda ao país, há muito tempo desesperadamente pobre e cuja catástrofe ceifou a vida de mais de 200 mil pessoas, causando também prejuízos de vários bilhões de dólares.

"É um prazer receber o presidente, porque queremos que a França ajude a gente", disse Ovulienne Fortis, de 38 anos, uma das centenas de sobreviventes que vagueiam por um campo de refugiados, tornado lar dos que passaram pelo tremor.

Entretanto, existem muito mais haitianos que veem o renovado interesse francês em ajudar o Haiti como uma maneira de contrabalançar a presença militar dos EUA, que nos últimos 16 anos mandaram tropas ao país em três oportunidades.

Além disso, a visita de Sarkozy reaviva amargas lembranças do que foi o preço pago pela independência do país, em 1804. Um terço da população foi morta na revolta contra a brutal e excepcional escravidão promovida pelos franceses.

Um bloqueio total foi imposto para deter a revolta dos escravos e 90 milhões de peças de ouro foram saqueadas pelos franceses, no que foi o primeiro roubo contra a primeira república negra da história. O saqueio destroçou a economia do Haiti por toda a sua existência.

Muitas pessoas distribuíram panfletos nas ruas de Porto Príncipe, protestando contra a visita de Sarkozy e responsabilizando a França pela escravização do Haiti.

Sarkozy reconheceu as "feridas da colonização" durante conversas com a imprensa, diante da incólume embaixada francesa, e mais tarde chegou a dizer que "conhece a história de nossos países e a questão da dívida".

Com um olho nessa velha queixa, a França já tinha dito que cancelaria a dívida do Haiti, que chegava a 56 milhões de euros. O pacotinho de ajuda também incluirá dinheiro para a reconstrução, ajuda emergencial e 30 milhões mais para o orçamento do governo do Haiti.

O primeiro-ministro haitiano, Jean-Max Bellerive, afirmou que o apoio orçamentário foi crucial: "Isso significa que poderemos usar o dinheiro do jeito que a gente quiser", disse à agência AP.

Sarkozy disse também que o Haiti precisa de um plano de reconstrução que englobe todas as províncias, "para ajudar o povo a deixar Porto Príncipe", a capital do Caribe mais densamente povoada. Ele disse que uma das razões do total de mortos ter sido tão elevado é que a cidade "não foi feita para sustentar uma população tão grande".

Mais uma vez o capitalismo do desastre se apodera de uma região devastada por um cataclisma natural, como fez com as regiões devastadas pelo tsunami de dezembro de 2004. Se assim se concretizar a proposta francesa, os pobres estão condenados a deixar o pouco que tinham em Porto Príncipe.

A proposta não difere muito da feita por autoridades dos Estados Unidos e da ONU, de retirar milhares de pessoas da capital, "para melhorar a agricultura no resto do país e ampliar o turismo, na capital", mantra defendido pós-tsunami.

O Haiti tem sido um lugar castigado por desastres naturais e pelo capitalismo há já muito tempo antes do terremoto, cuja força de devastação deixou mais de um milhão de habitantes sem moradia.

Políticos haitianos reavivaram esta semana uma demanda que já tinha sido defendida pelo deposto presidente Jean-Bertrand Aristide, em 2004: Completa indenização, pela França, dos danos inflingidos no passado ao Haiti.

Em 1825, paralisado por um bloqueio liderado pelos Estados Unidos e reforçado por vasos de guerra franceses, o Haiti foi forçado a pagar à França 150 milhões de francos em compensação pelas "propriedades perdidas" — incluindo nisto os escravos — aos proprietários franceses que haviam sido expropriados.

Em comparação, a França vendeu aos Estados Unidos, em 1803, o território de Louisianna, que é imensamente superior em tamanho, por apenas 60 milhões de francos. A quantia pedida ao Haiti foi posteriormente reduzida para 90 milhões de francos em ouro.

O Haiti só conseguiu pagar essa dívida — que foi sucessivamente rolada entre bancos franceses e americanos, com aplicação de juro extorsivo — em 1947.

Porém, a riqueza do Haiti já estava destruída. O que foi a mais rica colônia do planeta, provendo metade do açucar do mundo e outras exportações, dentre elas café, o algodão e madeira de lei, entre outros bens, obtinha ganhos superiores ao valor que todos os Estados Unidos produziam e vendiam em 1788.

No início da década de 1780, o Haiti já havia perdido todas as suas florestas, o que levou a uma devastadora erosão e à extrema pobreza, que vigora ainda hoje.

Da redação, com agências