EUA culpam iuane pela crise e ameaçam China com guerra comercial
Os EUA decidiram intensificar as pressões para que a China altere sua política cambial, promova a desvalorização da sua moeda (renminbi iuane) e adote a receita neoliberal do câmbio flutuante, sob pena de fortes sanções. Um projeto de lei bipartidário deve ser apresentado ao Senado norte-americano por esses dias definindo retaliações. Trata-se de uma iniciativa dos senadores Charles Schumer, membro da liderança democrata, e Lindsey Granham, republicana da Carolina do Sul.
Publicado 16/03/2010 20:09
Por Umberto Martins
Anos atrás, os dois parlamentares elaboraram um projeto que estipulava um tarifaço de 27,5% sobre as importações provenientes da China. A idéia não prosperou à época, mesmo porque a moeda chinesa sofreu uma sensível valorização diante do dólar e a economia estadunidense, embora frágil, ainda não estava em crise. A recessão iniciada em dezembro de 2007 alterou os ânimos no interior do decadente império, favorecendo a radicalização das posições contra a nova potência asiática. Paira no ar a ameaça de guerra comercial.
Falso argumento
Os líderes norte-americanos estão culpando os chineses pela crise que abala o setor industrial do país. Atacam o superávit obtido pelo país asiático no comércio bilateral e apontam a política cambial chinesa como causa do desemprego (que cresce de forma quase ininterrupta há cerca de 26 meses), encerramento de plantas industriais e deslocamento de empresas para a Ásia.
Os argumentos não correspondem a toda verdade dos fatos e não é respaldado pela história.
O déficit comercial dos EUA não é de hoje. Data de 1971, período em que as trocas com a China eram insignificantes, e em passado não tão distante foi também fonte de atritos com o Japão e a Alemanha. Está associado ao papel especial que o dólar ocupa na economia internacional como meio de pagamento, unidade de referência para os contratos e reserva de valor, bem como ao escandaloso parasitismo cultivado por Tio Sam, que achou por bem viver à custa alheia, comprando fiado, consumindo muito além dos meios que produz e incorrendo num endividamento que parece não conhecer limites.
Um modo de vida insustentável
A dívida externa grega, que tanta dor de cabeça está provocando na Europa, é uma fração insignificante dos débitos contraídos pelos EUA, que correspondem (no total, ou seja, somando as dívidas públicas e privadas, internas e externas) a mais de três vezes o maior PIB do mundo. É este estilo de vida que explica o declínio do poderio americano; é o que promove a decomposição da hegemonia ianque, exercida com arrogância e brutalidade em todo o mundo.
O déficit comercial, origem de desequilíbrios mundiais insustentáveis, reflete a carência de poupança interna e esta, por seu turno, emana do excesso de consumo da sociedade. A recessão, ao reduzir o déficit e elevar a taxa de poupança, revelou o esgotamento do modo de vida americano.
Ascensão da China
A crescente rivalidade com a China também embute preocupações estratégicas de Washington com a vertiginosa ascensão da nova potência asiática e com o notório deslocamento da dinâmica industrial e do poder econômico mundial do Ocidente para o Oriente. Mas atitudes hostis podem ter efeito diverso do esperado. Afinal, os chineses são grandes credores dos EUA e a Casa Branca não pode prescindir do capital de Pequim para refinanciar sua dívida e preservar a credibilidade do dólar.
Não é a primeira vez que o governo chinês se defronta com pressões para mudar sua política cambial, que considera uma questão de soberania nacional. O controle sobre as cotações do yuan impediu um contágio maior da “crise asiática” (1997) e também amenizou os impactos da contração do mercado estadunidense nos dois últimos anos.
O governo já emitiu sinais de que pretende flexibilizar as cotações (como fez a partir de 2005 até 2008, quando o câmbio fixo foi retomado em função da crise) e permitir uma valorização controlada da moeda em relação ao dólar ainda no curso deste ano. Mas isto não significa adoção do câmbio flutuante, um dogma neoliberal que foi imposto pelas potências imperialistas a vários países do globo (inclusive o Brasil) e é uma fonte inesgotável de instabilidade monetária.
A estabilidade da China é fundamental para a recuperação da economia internacional, conforme argumentaram autoridades do país, que continuam rejeitando as pressões e ameaças provenientes do império. “Se a questão da taxa cambial for politizada para o enfrentamento da crise financeira global, então isso não contribuirá na coordenação entre as partes envolvidas”, afirmou o porta-voz do Ministério do Comércio Chinês, Yao Jian, durante entrevista coletiva nesta terça-feira (16).
O tema ainda vai render muitas controvérsias e conflitos.