A campanha reacionária do capital contra a redução da jornada
A proposta de redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de salários, apontada pelo Dieese como um instrumento para elevar o nível e a qualidade do emprego no Brasil, causou alvoroço no meio empresarial brasileiro, que está em pé de guerra para evitar a medida.
Publicado 23/03/2010 19:33
Por Umberto Martins
Grandes capitalistas e ideólogos a serviço do capital desencadearam uma campanha orquestrada contra a ideia, ressuscitando velhos argumentos e criando novos em defesa de uma tese também antiga, embora eminentemente reacionária e falsa, segundo a qual a diminuição do tempo de trabalho vai comprometer a competitividade da indústria nacional, resultando na perda de mercados no exterior, queda de produção e mais desemprego. É precisamente o oposto do que afirmam os economistas do Dieese e os dirigentes sindicais.
Apologia do arrocho
O empresário Benjamin Steinbruch, que adora posar de progressista, usou o espaço de sua coluna semanal no caderno “Dinheiro” da “Folha de São Paulo” desta terça (23) para atacar a bandeira dos sindicalistas. Seu artigo, intitulado “Alemanha ou França?”, faz uma apologia da ofensiva capitalista contra o trabalho em curso na Europa e uma louvação do arrocho salarial imposto à classe trabalhadora pela burguesia alemã ao longo dos últimos anos.
Citando reportagem da revista “The Economist”, porta-voz do velho e decadente imperialismo britânico, Steinbruch informa que, entre 2000 a 2008 “o custo do trabalho teve queda média anual de 1,8% na Alemanha, significa dizer 15% em oito anos”. Ele atribui ao arrocho salarial “um grande impacto nas exportações alemãs, a ponto de transformar o país no maior exportador mundial até 2008, sendo superado pela China em 2009.”
Um mau exemplo
O empresário contrapõe o exemplo da Alemanha ao da França, onde em sua opinião a redução da jornada de trabalho em 1982, para 39 horas semanais (e depois para 35 horas, entre os anos 1988 e 2002), teria provocado desemprego, ao invés de criar novos postos de trabalho.
A Alemanha não constitui um bom exemplo no que diz respeito ao desempenho econômico. Em 2009 amargou uma queda de 5% do PIB, em 2008 tinha avançado apenas 1,3% e desde o início da década registra crescimento anual médio inferior a 2%, uma performance medíocre. O Brasil esteve melhor no período.
As exportações são de fato uma marca da maior potência da União Europeia, que no entanto deve o breve período em que alcançou o primeiro lugar no ranking das vendas internacionais mais à decadência (relativa) dos EUA do que à competitividade de sua indústria, tanto que não tardou a perder a posição para a China, que no ano passado tornou-se a campeã mundial das exportações.
Afirmação polêmica
Já a afirmação de que na França a jornada de trabalho resultou numa queda do nível de emprego, em 1982, é no mínimo polêmica e não parece corresponder à realidade. Registrou-se crescimento do desemprego no país em função da crise econômica que abalou a Europa e os EUA na época. Misturar recessão com redução da jornada é praticar a arte do sofisma, que serve apenas para enganar quem não tem muita informação.
Em relação à jornada de 35 horas, que enfrentou e ainda enfrenta forte resistência do patronato, predomina a avaliação, inclusive do Ministério do Trabalho francês, de que gerou entre 300 mil a 500 mil novos empregos. Seus efeitos no mercado de trabalho só não foram melhores porque o empresariado usou de todos os meios para reverter a medida, apelando especialmente para a intensificação e flexibilização do tempo de trabalho.
Tempo de trabalho e produção
O argumento do Dieese, que estima a geração de 2,3 milhões de empregos com a instituição das 40 horas, é fundamentado no fato de que o volume e o valor da produção, uma vez dada a produtividade, é determinado pelo tempo total de trabalho empregado nas empresas. Se o tempo total de trabalho e a produtividade não mudarem, o valor e o volume da produção permanecerão inalterados.
A redução da jornada não resulta necessariamente numa diminuição do tempo total de trabalho empregado na produção, pois há um exército de reserva de mão-de-obra no mercado que compreende milhões de trabalhadores e trabalhadoras. Ocorre que as empresas, tendo demanda para suas mercadorias, são estimuladas a contratar novos trabalhadores para manter ou ampliar o volume de produção.
Produtividade
Verifica-se, então, uma redistribuição mais justa do tempo de trabalho entre empregados e desempregados, cujos impactos são altamente positivos para a economia. A experiência histórica também indica que a redução do tempo de trabalho resulta num aumento da produtividade do trabalho, até pela reação do patronato, de introduzir novas tecnologias e intensificar o ritmo de produção.
Conforme diz o Dieese em recente nota técnica sobre o tema “num contexto de crescente demanda por mão de obra qualificada, a redução da jornada de trabalho, sem redução dos salários, poderia contribuir positivamente para este desafio, na medida em que sobrariam mais horas para o trabalhador frequentar cursos de qualificação. Para as mulheres, que ainda na grande maioria, além da jornada de trabalho na empresa/organização, cumprem uma segunda jornada no lar, cuidando da casa e dos filhos, a redução também traria grandes benefícios, inclusive permitindo que dediquem um tempo à qualificação, reduzindo assim o diferencial entre gênero.”
“A redução da jornada de trabalho, também tornará possível, ao trabalhador, dedicar
mais tempo para o convívio familiar, o estudo, o lazer e o descanso. Esses fatores desencadeados pela redução da jornada de trabalho sem redução de salários poderiam criar um círculo virtuoso na economia, combinando a ampliação do emprego, o aumento do consumo, a elevação dos níveis da produtividade do trabalho, a melhoria da competitividade do setor produtivo, a redução dos acidentes e doenças do trabalho, a maior qualificação do trabalhador, a elevação da arrecadação tributária, enfim um maior crescimento econômico com melhoria da distribuição de renda”, complementa a nota.
Chororô descabido
Cabe acrescentar que a analogia com a Alemanha não é muito conveniente aos argumentos reacionários contra a redução da jornada, pois o país pratica uma das menores jornadas de trabalho no mundo (37,6 horas semanais). O chororô do presidente da CSN sobre competitividade e custo do trabalho também se revela pouco razoável quando atentamos para o baixíssimo custo da força de trabalho no Brasil em relação a muitos outros países. Veja a respeito as tabelas reproduzidas abaixo (elaboradas pelo Dieese).
Steinbruch, é bom lembrar, também quer impor aos metalúrgicos de Volta Redonda o aumento da jornada de trabalho, alterando as regras do turno de revezamento em detrimento do que está estabelecido na Constituição Federal. Ele adora parecer progressista, mas porta a visão do atraso, própria de uma ideologia fracassada (o neoliberalismo) que conduziu o capitalismo à sua mais grave crise desde 1929.
Custo horário da mão de obra manufatureira em 2007 em países selecionados
Países US$
Noruega 48,50
Alemanha 37,66
Bélgica 35,45
Austrália 30,17
Reino Unido 29,73
Canadá 28,91
França 28,57
Itália 28,23
Estados Unidos 24,59
Espanha 20,98
Japão 19,75
Coréia 16,02
Singapura 8,35
Portugal 8,27
Taiwan 6,58
Brasil 5,96
México 2,92
Fonte: U.S Department of Labor, Bureau of Labor Statistics, 2009.
Elaboração; DIEESE
Jornada de trabalho em países selecionados (2006)
Países Horas semanais
Japão 43,5
Brasil 43,0
Chile 43,0
Suíça 41,2
EUA 41,1
Reino Unido 40,7
Canadá 39,6
Alemanha 37,6
Espanha 35,3
Fonte:OIT. Anuário Estadisticas del Trabajo e DIEESE/Seade.PED- pesquisa de emprego e desemprego.
Obs.: O dado da Suíça é referente ao ano de 2005 enquanto o do Chile é referente ao ano de 2004, portanto anterior à redução da jornada de trabalho ocorrida em 2005.
Leia abaixo o artigo de Benjamin Steinbruch:
Alemanha ou França?
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A redução da jornada não deve ser imposta por lei, mas por acordos negociados entre as empresas e empregados
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HÁ DUAS semanas, a Alemanha mereceu uma longa reportagem de capa da revista "The Economist", sob o título "Motor da Europa". Uma década atrás, o país tinha uma economia doente, com baixo crescimento econômico, alto índice de desemprego e fuga de grandes empresas industriais em busca de redução de custos.
A realidade alemã de hoje é muito diferente. Embora o país tenha tido queda do Produto Interno Bruto de 5% em 2009, uma das maiores da Europa, por conta da crise global, o índice de desemprego teve apenas leve elevação em todo o período recessivo, de 7,6% em setembro de 2008 para 8,2% no mês passado.
Esse desempenho da maior economia europeia, que está sendo chamado de "milagre alemão", segundo a revista, advém de velhas virtudes combinadas com outras recentemente adquiridas. Uma delas, muito importante, foi a reforma no mercado de trabalho, que permitiu maior cooperação entre empregados e empregadores, de forma a reduzir custos e a aumentar a competitividade dos produtos alemães, apesar do engessamento cambial da moeda única, o euro. De 2000 a 2008, o custo do trabalho teve queda média anual de 1,8% na Alemanha, significa dizer 15% em oito anos. Essa redução de custos resultou em grande impacto nas exportações alemãs, a ponto de transformar o país no maior exportador mundial até 2008, sendo superado pela China em 2009. A despeito da crise global, a balança comercial alemã teve superavit de US$ 193 bilhões nos últimos 12 meses.
Busco o exemplo alemão para entrar em um tema delicado do atual momento brasileiro. Tramita no Congresso Nacional uma emenda constitucional que pretende reduzir a jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais.
O tema precisa ser tratado com tranquilidade, à luz de experiências passadas, como as da Alemanha e da França, por exemplo. Certamente, o objetivo de qualquer ser humano é trabalhar o suficiente para aproveitar a vida. Ocorre que as empresas, que dependem da força do trabalho, estão envolvidas numa feroz competição global na qual só prosperam as que apresentam custos e preços mais baixos. A busca do objetivo maior do bem-estar, portanto, embora legítima, não pode comprometer a sobrevivência dos empregos.
É péssimo que o debate sobre a redução da jornada seja contaminado pelo clima eleitoral que já toma conta do país. O exemplo francês mostra que a redução forçada da jornada, em 1982, não teve efeito nenhum -houve queda de 4% no nível de emprego. Em 1997, numa segunda etapa, para corrigir os erros anteriores, o governo da França tornou a redução voluntária e criou incentivos fiscais para estimular as empresas a preservar empregos.
O caminho para o Brasil não pode ser muito diferente desse. Muitas grandes empresas já adotam regimes de trabalho de 40 horas ou até inferiores, por meio de acordos negociados com seus empregados.
Desde que consigam se manter competitivas no mercado, essa é uma prática que as empresas podem e devem adotar, mesmo as médias e pequenas. E são bem-vindos os estímulos tributários para facilitar esses entendimentos.
Seria certamente uma irresponsabilidade se o Brasil viesse a adotar, por meio de camisa de força constitucional, obrigações que contribuíssem para deteriorar a competitividade global de sua produção. O custo final dessa alteração, feita no embalo do ano eleitoral, poderia ser muito alto para o país. As experiências da Alemanha e da França estão aí para quem quiser conferir.
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BENJAMIN STEINBRUCH , 56, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp.