China deve retomar política de flutuação cambial administrada
Pressionado pelos Estados Unidos e União Europeia, o governo da China deu sinais de que está disposto a mudar sua política cambial, de modo a permitir a valorização do iuane em relação ao dólar. A decisão deve ser anunciada nos próximos dias, de acordo com informações divulgadas pelo jornal New York Times.
Publicado 08/04/2010 16:10
Por Umberto Martins
A intenção das autoridades chinesas não é instituir o chamado câmbio flutuante puro e simples, em que as moedas oscilam ao sabor do mercado, com eventuais intervenções do Banco Central (no caso, o Banco Popular da China) para equilibrar o jogo entre oferta e demanda.
Protecionismo
O mais provável é a retomada da política de flutuação administrada do câmbio, que o país já vinha adotando desde 2005 e foi provisoriamente abandonada em 2008 por causa da crise mundial, sendo substituída pelo regime de câmbio fixo, que vigora até o momento e tem sido alvo de renitentes críticas nos Estados Unidos e na Europa.
Crescem no Congresso norte-americano as pressões para retaliações comerciais contra mercadorias chinesas importadas, a pretexto de reduzir o robusto déficit acumulado por Tio Sam nas trocas entre os dois países. A política cambial chinesa foi transformada em bode expiatório da decadência industrial dos EUA.
Decadência americana
Todavia, como muitos economistas já alertaram, a apreciação do câmbio na China não produzirá o milagre de ressuscitar a competitividade das empresas norte-americanas, que perderam terreno em praticamente todos os setores e ramos de atividades e, também, em todo o mundo.
O déficit comercial, expressão do parasitismo econômico e canal privilegiado da decadência do império, começou décadas atrás, tornando-se geral e crônico a partir de 1971. Estende-se hoje inclusive aos produtos de alta tecnologia. No passado, a preocupação dos EUA era com o Japão e Alemanha, que se transformaram em grandes potências econômicas, mas perderam vigor e estão ficando para trás na dança do desenvolvimento desigual das nações.
Ciúmes
Atualmente, quem se beneficia do apetite insaciável de Tio Sam por bugigangas importadas (e do hábito imperialista de consumir bem mais que os meios que produz, fonte primária dos chamados desequilíbrios globais insustentável), é a China.
O crescimento chinês, não só no comércio exterior, desperta ciúmes e ressentimentos nas potências capitalistas do chamado Ocidente, e notória preocupação na potência hegemônica, temperada com as contradições que a concorrência industrial engendra. Daí o apelo crescente ao protecionismo, uma novela que ainda promete muitos capítulos emocionantes.
Baixa acumulaçâo
Os desequilíbrios comerciais e financeiros que emanam do processo de produção e reprodução da maior economia capitalista do mundo têm origem no parasitismo econômico, ancorado no papel especial que o dólar ainda desempenha no mundo, e no desenvolvimento desigual.
O déficit reflete a carência de poupança doméstica e uma taxa relativamente baixa de acumulação (interna) de capital. Não é a valorização do iuene que vai resolver o problema. De todo modo, espera-se que a mudança na política cambial da China seja anunciada antes da viagem do presidente Hu Jintao a Washigton na próxima semana para debater segurança nuclear e outros temas.
Exemplo para o Brasil
A valorização da moeda local não é um mal absoluto para a China e os chineses. Se é verdade que tende a prejudicar as exportações, a acumulação de excedentes comerciais e reservas, seus efeitos sobre o mercado interno serão positivos e a tendência, neste caso, é de aumento do consumo e dos salários, favorecendo a classe trabalhadora chinesa.
Nada indica que o governo chinês vai recuar ao ponto de instituir o câmbio flutuante, um dogma neoliberal que provoca instabilidade crônica nos mercados de moeda e revela-se particularmente nefasto em momentos de crise. O controle do câmbio fez com que a China atravessasse a chamada “crise asiática” de 1997 quase incólume e também parece ter sido fundamental para exorcizar o demônio da recessão exportada pelos EUA para todo o mundo a partir de 2008. O Brasil, que mantém um estranho apego ao câmbio livre (ou flutuante), devia levar mais em conta a experiência do gigante asiático, que continua crescendo em torno de 10% ao ano, é o primeiro no ranking mundial das exportações e possui reservas superiores a 2 trilhões de dólares.