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Como o Zero Hora nasceu (e engordou) com o Golpe Militar de 1964

Quando do golpe de abril de 1964, o diretor de Última Hora, Ary de Carvalho, queria manter o jornal com a mesma equipe, estrutura e linha editorial. Samuel Wainer, que já estava refugiado numa embaixada e de lá ainda mandava no seu patrimônio, tomou a firme decisão de fechar o jornal.

Por Cristóvão Feil, no Diário Gauche

Uma nova empresa foi criada, com quatro sócios e igual número de cotas: Ary de Carvalho, Ricardo Eichler, Otto Hoffmeister e o professor Dante "Em Bagé as casas eram altas, porém brancas" de Laytano.

Logo adiante, Ary de Carvalho tornou-se único dono do jornal, uma vez que foi beneficiado com um empréstimo do Bradesco, de propriedade de seu amigo Amador Aguiar.

Ary relatou o caso ao repórter Jefferson Barros, assim: "O jornal cresceu. Comprei aquele terreno na avenida Ipiranga; estava construindo o prédio e me endividei junto ao BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul). Eu saia muito com o Maurício (Maurício Sirotsky Sobrinho), éramos muito boêmios. Numa madrugada, eu perguntei para ele: por que você não entra de sócio de Zero Hora? Ele respondeu: 'Pô, a essa hora da manhã!'. Passaram-se alguns dias, eu lembrei o assunto e nós começamos. Eu disse: entra aí com 50%; esse talvez tenha sido o meu erro… Aí vendi 50% do jornal para o Maurício. Já estava com o prédio pela metade. Fui a Chicago e compramos a máquina de off set, mas estava sem fôlego financeiro, embora o jornal crescesse. Um dia o Maurício me propôs comprar mais 10%. Não aceitei. Disse que se vendesse só mais uma ação ele já seria o dono do jornal. Ele tentou, uma, duas, três vezes. Como não conseguiu me disse: 'Não vou avalizar mais nada'. Se você não avalizar, respondi, você sabe o que vai acontecer: vamos subir a Ladeira (rua General Câmara, onde estão os cartórios de protesto de títulos). Aguentei seis meses, reformando títulos. Até que chegou um dia que eu atrasei um título na Crefisul. A Crefisul era o agente financeiro que tinha financiado a máquina. Com a valorização cambial a máquina já custava três vezes mais do que quando foi financiada. Quando fiz o empréstimo, o Aron Birmann (presidente da Crefisul) sugeriu que além da máquina, como garantia eu desse as ações da empresa. Aceitei, caucionei minhas ações. Quando houve o atraso da prestação fui intimado a pagar em 72 horas. Era uma combinação do Birmann com o Maurício, que era o avalista. Só me restou o acordo, e as ações foram parar nas mãos do Maurício, pelo preço nominal das cotas".

"Ary não esquece a data: dia 21 de abril de 1970" – anota Jefferson Barros no seu livro Golpe Mata Jornal.

Perguntado se não procurou outra solução, Ary de Carvalho disse que procurou o "doutor" Breno Caldas, dono do Correio do Povo, principal diário do RS, então. "Tentei vender a Zero Hora para a Caldas Júnior. Mas o 'doutor' Breno tinha aquela coisa monárquica, a pretensão de ser o Estadão gaúcho. Não pensou 24 horas e recusou a oferta", disse Ary.

O resto da história vocês sabem: a família Sirotsky fez de Zero Hora um jornal a serviço da ditadura civil-militar. Como recompensa, foi beneficiada com concessões públicas de rádios e TVs em todo o Rio Grande do Sul. Modernizaram suas empresas no âmbito tecnológico e nos métodos de gestão, mas a linha editorial permaneceu a mesma desde que foi criada há 40 anos, protagonista de um jornalismo diversionista, conservador, de má qualidade, fomentador das piores práticas sociais e sustentador ideológico dos governos mais medíocres.