Déficit acumulado na conta corrente já supera total de 2009
A conta de transações correntes do Balanço de Pagamentos brasileiro apresentou déficit de US$ 28,261 bilhões no acumulado de janeiro a julho, ou 2,51% do Produto Interno Bruto (PIB). O montante supera todo o déficit registrado em 2009, que caiu em função da crise e ficou em US$ 24,302 bilhões. Os dados, divulgados nesta 2ª (23) pelo Banco Central (BC), mostram uma evolução preocupante das contas externas brasileiras.
Publicado 23/08/2010 17:47
Em igual intervalo do ano passado, o resultado também foi negativo, porém mais enxuto, de US$ 8,8 bilhões, o equivalente a 1,17% do PIB. Somente em julho, houve déficit de US$ 4,499 bilhões na conta corrente. O resultado foi menor do que o apurado um mês antes, quando o rombo somou US$ 5,180 bilhões. Em julho do ano passado, correspondeu a US$ 1,623 bilhão.
O rombo cresce
Nos 12 meses encerrados em julho, o saldo desfavorável na conta corrente se situou em US$ 43,764 bilhões, ou 2,24% do Produto Interno Bruto (PIB). Nos 12 meses imediatamente anteriores, foi verificado déficit de US$ 40,887 bilhões, ou 2,13% do PIB.
Os números abrangem dados da balança comercial, da conta de serviços e das transferências unilaterais do país. A conta de transações correntes mensura o desempenho das compras e vendas de bens e serviços de um país com o exterior.
É constituída por três itens: a balança comercial (exportações menos importações); a conta de serviços e rendas, que contabiliza ingressos e remessas de juros, lucros e serviços em geral (como turismo e transportes); e as transferências unilaterais correntes, que são recursos enviados por trabalhadores brasileiros residentes no exterior.
A análise dos números divulgados pelo BC revela que, ao contrário do que sustentam muitos economistas, o déficit não deve ser atribuído à relativa valorização do real e à performance da balança comercial, que continua positiva.
Transnacionais
O resultado é consequência do déficit na conta de serviços e rendas (com destaque para as remessas de lucros e dividendos das multinacionais), que só em julho ficou em US$ 6,053 bilhões. Na balança comercial, foi observado superávit de US$ 1,357 bilhão. Os trabalhadores brasileiros no exterior contribuíram com US$ 197 milhões através das transferências unilaterais.
No acumulado do ano, a balança comercial ficou positiva em US$ 9,235 bilhões, enquanto as transferências unilaterais proporcionaram entradas de US$ 1,805 bilhão. Apesar disto, registrou-se saída líquida de recursos de US$ 39,301 bilhões para pagamento de serviços e rendas.
O fator principal nesta conta é a remessa de lucros e dividendos pelas transnacionais, que aqui exploram uma mão de obra barata e dela extraem uma gorda mais-valia. Em função da crise nos EUA, Japão e Europa, tais empresas ampliaram as remessas de excedentes ao exterior para cobrir prejuízos das matrizes. Os movimentos sociais defendem uma taxação maior sobre essas remessas para reduzir a sangria.
Herança neoliberal
A experiência histórica ensina que déficit em conta corrente não é um bom conselheiro, já que, mais cedo ou mais tarde, tende a ser acompanhado (como em 1988/99 e 2002, entre outras ocasiões) por crises cambiais. Rombos recorrentes nesta conta do balanço de pagamentos refletem um passivo externo crescente e traduzem uma situação de vulnerabilidade e dependência externa.
As reservas acumuladas pelo Brasil (US$ 257,3 bilhões em julho) afastam o risco de turbulências em curto prazo nas contas externas. É fato também que o fluxo de investimentos diretos e indiretos para a economia nacional ainda cobre, e com certa folga, o déficit corrente, o que explica o superávit de US$ 1,8 bilhão no balanço de pagamentos em julho. Mas, não se pode esquecer que este meio de financiamento do rombo amplia o passivo externo (aumentando o estoque de capitais estrangeiros no país), o valor das remessas futuras (em lucros, juros e dividendos) e a indesejável dependência frente ao capital estrangeiro.
O liberalismo nas relações com as transnacionais e os investidores estrangeiros, que ainda orienta a política macroeconômica do governo, não corresponde aos interesses nacionais e precisa ser revisto para evitar futuros dissabores no balanço de pagamentos.
Da redação, Umberto Martins, com agências