Tite e o moderno futebol brasileiro
“A bola corre mais do que os homens”, costuma dizer Roberto DaMatta, sublinhando o caráter imprevisível do futebol. A volta do treinador Tite ao comando do Corinthians retoma não apenas a imprevisibilidade desse esporte, sugerida pela sentença do consagrado antropólogo, mas acrescenta a ela um tom de ironia ao explicitar os limites da dita modernização do futebol brasileiro.
Por Felipe Dias Carrilho, no blog Escrevinhador
Publicado 23/10/2010 13:22
Sim, pois não se deve esquecer das circunstâncias em que o treinador gaúcho foi demitido do Parque São Jorge em sua primeira passagem pelo clube. Em 2004, Tite havia assumido um Corinthians ameaçado de rebaixamento no campeonato brasileiro e, mesmo contando com um plantel medíocre, terminou o torneio na honrosa quinta colocação.
No ano seguinte, veio a parceria com a MSI, as contratações de jogadores midiáticos e a promessa de modernização do futebol alvinegro, com a conquista de títulos de vulto. Tite, mesmo querido pela torcida, foi, então, demitido ainda no Campeonato Paulista após uma derrota para o São Paulo, quando realizava uma campanha apenas razoável.
O Corinthians conquistou naquele ano o Campeonato Brasileiro e Tevez, o atleta-símbolo da parceria, foi eleito o melhor jogador da competição. Em 2006, porém, o fracasso na Libertadores, aliado a crescentes denúncias de lavagem de dinheiro, agravou a disputa pelo poder entre a diretoria do clube e Kia Joorabchian, representante da investidora, e a parceria entrou em crise.
Numa perspectiva ampla, podemos dizer que o rebaixamento do Corinthians no Campeonato Brasileiro de 2007 ilustrou o triste fim do empreendimento, mesmo com a posse da nova diretoria comandada por Andrés Sanchez pouco antes do fatídico episódio. A expressão “galáxicos”, do ex-presidente Alberto Dualib, inspirada no time de craques considerados galácticos do Real Madrid, também sintetizou a experiência de modernização colonizada do futebol corintiano e, por extensão, do brasileiro.
Isso porque essa não foi a primeira parceria entre um grande clube brasileiro e um empresa estrangeira. Talvez a mais emblemática tenha sido a estabelecia entre o Palmeiras e a Parmalat no início dos anos 1990, na esteira da política neoliberal de abertura do mercado brasileiro do governo Collor. E é nessa época que se cristaliza a ideologia do clube-empresa e da transformação deliberada do torcedor em consumidor de futebol.
E Tite, que fora chutado para fora do clube em 2005 por não saber treinar “um time de estrelas” e atrapalhar a internacionalização do Corinthians, é agora surpreendentemente acionado para evitar que o clube deixe passar o acalentado ano de seu centenário sem título e para salvar o “planejamento” de uma diretoria mais comprometida com estratégias de marketing do que com a manutenção de elencos vencedores (Quem não se lembra das vendas de André Santos, Cristian e Douglas?).
Tite veio para apagar o incêndio causado pela queda de Adilson Batista, e é possível que consiga. Enquanto isso não acontece, o senso crítico do torcedor se aguça e as organizadas protestam, tendo acesso, inclusive, ao moderno CT recentemente inaugurado. O Corinthians voltou a ser puro fogo, para o mal e para o bem!
*Historiador e autor do livro “Futebol, uma janela para o Brasil – As relações entre o futebol e a sociedade brasileira”