Lungaretti: os médicos aliados à ditadura militar
"Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higéia e Panacéia, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue…
Publicado 03/04/2011 12:13
…Conservarei imaculada minha vida e minha arte…"
O caso do ativista Olavo Hanssen – assassinado pelos torturadores em 1970 e apresentado no laudo médico como suicida – que relatei brevemente no artigo Olavo, Eremias, Juarez e os outros mártires nos legaram uma missão, motivou o companheiro Luiz Aparecido, militante histórico do PCdoB e preso político que foi muito torturado pelos militares, a escrever-me o seguinte:
Não é que só agora depois de minha doença na medula que me deixou quase paralitico descobri a verdade. No Hospital Sarah em Brasilia, fizeram uma checagem geral em mim e descobriram que eu tinha os dois rins. Só que um ficou necrosado dentro de mim desde 1973.
Resultado que conclui depois deste exame do Sarah. Meus algozes, me abriram, não encontraram nada nos rins a não ser lesões e costuraram de novo e ficaram com uma desculpa na ponta da língua. Se eu morresse nas torturas, que continuaram, poderiam dizer que foi por complicações na 'operação' desnecessária que fizeram".
Outros companheiros denunciaram a cumplicidade de médicos inclusive na aferição da intensidade das torturas que eles poderiam suportar.
E houve a produção em série de atestados de óbito fraudulentos, como o de Hanssen. O mais célebre foi o do chefe do Instituto Médico Legal de SP, Harry Shibata, dando Vladimir Herzog como suicida.
Shibata foi também acusado de instruir os Torquemadas sobre como poderiam torturar suas vítimas sem deixar marcas.
E ajudou, ainda, a acobertar a queima de arquivo no caso do delegado Sérgio Fleury, testemunha perigosa (sabia demais) e descontrolada (seria viciado em cocaína e estaria chantageando empresários que haviam sido cúmplices da repressão e até atuado como torturadores voluntários): recebeu e cumpriu a ordem de Celso Telles, delegado-geral da Polícia Civil, de produzir um atestado de óbito evasivo sem nem mesmo tocar no cadáver de Fleury,
Para encerrar, eis um caso emblemático extraído da ótima reportagem Assistência médica à tortura (que relaciona vários outros na mesma linha e cuja íntegra está disponível no site Direitos Humanos na Internet):
…que, dentre os policiais, figura um médico, cuja função era de reanimar os torturados para que o processo de tortura não sofresse solução de continuidade; que durante os dois dias e meio o interrogado permaneceu no pau-de-arara desmaiando várias vezes e, nessas ocasiões, lhe eram aplicadas injeções na veia pelo médico a que já se referiu; que o médico aplicou no interrogado uma injeção que produzia uma contração violenta no intestino, após o que era usado o processo de torniquete…"