Campanha de Pútin recorre ao terrorismo psicológico
Circula na Rússia um vídeo com um grande número de vistas chamado "A Rússia sem Pútin: o apocalipse amanhã". Inicialmente, ele teve mais de 1 milhão de vistas, sendo apagado do YouTube por conteúdo inadequado e repostado com título e descrição em russo. O vídeo tem sido uma sensação na Rússia e fora dela.
Por Cristiano Alves, no Blog A Página Vermelha
Publicado 24/02/2012 18:39
O vídeo traz um cenário onde Pútin desaparece do cenário político, garantindo uma vitória da oposição. Emergem no cenário político apenas duas forças, liberais e "nacionalistas"(na Rússia é comum supremacistas raciais e nazistas serem eufemisticamente chamados de nacionalistas).
A comunidade internacional parabeniza a "verdadeira democracia na Rússia". As grandes empresas são repassadas para magnatas russos, o arsenal nuclear russo é repassado para o controle dos EUA (!!!), e os "nacionalistas" vão às ruas (neste momento, aparecem manifestantes neonazistas carregando símbolos fascistas e a cruz suástica), uma nova onda de crise econômica atinge a Rússia, empresas fecham, a inflação atinge o país, no país uma em cada duas pessoas se tornam desempregadas, as ruas das grandes cidades são tomadas por conflitos étnicos entre fascistas e outras minorias étnicas, na Duma de São Petersburgo vencem os skinheads; após o inverno, nacionalistas vencem as eleições e surgem novas repúblicas independentes, o Tatarstão, a Bachkíria, Mar Baixo e Kaliningrado, as repúblicas do Cáucaso do Sul juntam-se e formam um emirado, pessoas que não desejam viver num Estado muçulmano emigram para a Rússia, dando origem a novos conflitos étnicos (novamente grupos neonazistas aparecem no vídeo).
Após esses conflitos, Alexei Navalniy pede asilo político nos EUA, após um cenário de Guerra Civil. Após esses acontecimentos, a Otan ocupa Kaliningrado, a China ocupa várias regiões russas do Extremo Oriente, o Japão ocupa Vladivostok; em 2013 a Geórgia ocupa o sul da Rússia e inicia perseguições étnicas contra os cossacos da região.
Em 10 de dezembro de 2013, A. Navalniy recebe o Prêmio Nobel da Paz e da Literatura. Em fevereiro de 2014, a Geórgia promove os jogos olímpicos em Sótchi (atualmente é uma cidade russa), e os atletas russos são proibidos de participar dos jogos, o que provoca conflitos étnicos nas principais cidades restantes da Rússia.
De fato, existem algumas passagens verdadeiras do vídeo, entretanto elas não estão associadas aos méritos de Pútin. Nos tempos de Iéltsin, o país sofreu um intenso cenário de crise econômica e desestabilidade, quase houveram duas revoluções comunistas no período, uma delas foi sufocada por tanques do Exército Russo em 1993, quando os comunistas venceram democraticamente as eleições, mas foram impedidos de assumir o poder por tanques que disparavam contra a Casa Branca (o parlamento russo), enquanto Iéltsin assistia a tudo rindo e bebendo vodka, imagem que chegou a ser filmada.
No final da década de 1990, os comunistas voltaram a ganhar força e inclusive propuseram a remoção de Iéltsin, em enormes manifestações, todavia este renunciou e colocou Pútin em seu lugar, que assumiu o término de seu mandato.
Impopular e sem rumo, praticamente desconhecido, o afilhado político do magnata Anatóliy Sobtchak(que roubou milhões dos cofres públicos após a queda da URSS, em São Petersburgo) recebeu "de mãos beijadas" uma oportunidade para alavancar sua popularidade, uma explosão em Moscou atribuída aos terroristas tchetchenos acabou com um prédio inteiro, pretexto para a reacender a guerra da Tchetchênia.
Lá, diferente da era Iéltsin, o Exército Russo logrou várias vitórias. Mais tarde, um incidente ocorrido no início da década de 2000 durante o espetáculo "Nord Ost", onde todos os telespectadores do teatro foram sequestrados por terroristas, levou Pútin a autorizar a invasão do teatro pelas tropas Alfa do FSB (sucessor do KGB), conseguindo salvar a maioria dos reféns.
Some-se a isso a tomada de medidas populares como a restauração do hino soviético (em sua melodia), promoção de Paradas da Vitória no dia 9 de maio, pensões aos aposentados, dentre outras. Isso, entretanto, foi conseguido por muita pressão popular, e não por que Pútin ou seu partido assim desejasse.
Ataques racistas e organizações neonazistas, muito ativas nos anos 1990 e ainda existentes, porém em menor intensidade, não são "concessões de Pútin", pois o Partido Comunista da Federação Russa tem empreendido vários esforços para proibir tais práticas e fechar tais organizações.
Diante desses fatos, os propagandistas de Pútin mesmo assim insistem em dizer que a Rússia sem Pútin viraria uma "Nazilândia". É também impensável e improvável que o PCRF no poder viesse a entregar o arsenal nuclear russo. A idéia de "desintegração da Rússia", embora possível, é muito usada pelos governistas para justificar a presença de Pútin, a despeito de diversos casos de corrupção e fraude eleitoral.
Em suma, o vídeo propagandístico da campanha putinista do "Rússia Unida" resume-se a uma palavra: "vote em Pútin ou vá para o inferno".
Hoje, a Rússia ocupa uma posição quase de país subdesenvolvido no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, a violência é comparável à de países como o Brasil e Colômbia, há atuação da máfia, há tremenda desigualdade social no país, altos índices de desemprego, problemas relacionados à imigração, desenvolvimento limitado à regiões como Moscou, em detrimento do restante do país.
Há o sucateamento das Forças Armadas, além da degradação moral do país, que atualmente é recordista em casos de pedofilia, acidentes automobilísticos, erotização precoce da juventude, além de escândalos de corrupção generalizada, eliminação física da oposição (inclusive comunistas) e aumento de acidentes nos transportes públicos.
A Rússia sem Pútin, isto é, a Rússia soviética, lançou o primeiro homem ao espaço, tinha nos principais noticiários a abertura de uma nova fábrica, a criação de novas tecnologias, o êxito na ciência, na educação, na medicina, criou muitas coisas. E a Rússia de Pútin, o que criou? O embuste propagandístico "A Rússia sem Pútin".