Pepe Escobar: Velozes e Furiosos; a vingança dos sunitas
E o vencedor é… o Clube Contrarrevolucionário do Golfo (CCG), também conhecido como Conselho de Cooperação do Golfo (CCG). A festa de celebração coletiva acontece esse fim de semana no Grande Prêmio de Fórmula 1 do Barein – completa, com caixas de Moet e Ferraris zunindo. Veja a cena como um grupo de xeiques sunitas dizendo à “comunidade internacional”: nós vencemos; é ao nosso modo, ou caiam todos na ardente estrada do deserto.
Por Pepe Escobar, no Asia Times Online
Publicado 19/04/2012 16:59
E como não comemorariam? As ondas indisciplinadas daquela perigosa Primavera Árabe jamais chegaram sequer perto de perturbar as águas plácidas do Golfo. A chegada do circo da Fórmula 1 dos Homens Brancos Velozes – uma espetacular operação de relações públicas – prova que o CCG é tão “normal” quanto qualquer príncipe árabe rodando por Monte Carlo com uma loura numa Ferrari 458.
Quem se preocupa por ativistas bareinitas terem escrito ao imperador da Fórmula 1, Bernie Ecclestone, denunciando o estado de sítio no plácido reino da dinastia al-Khalifa, o morticínio, a tortura de manifestantes pró-democracia, os milhares ainda presos e a desconsideração total dos mais básicos direitos humanos? Os Homens Brancos Velozes nada têm a ver com isso.
Vingança!
Estrategicamente, o CCG foi inventado – com apoio essencial dos EUA – para defender aquelas pobres petromonarquias do Golfo contra os demônios de Saddam Hussein e dos Khomeinistas iranianos; os membros são Barein, Kuwait, Omã, Catar, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Mas quando a revolta árabe de 2011 eclodiu no Norte da África – e em seguida alcançou o Golfo, no Barein, e gerou protestos até em Omã e na Arábia Saudita –, as petromonarquias viram pela frente demônio pior que qualquer outro jamais visto, que os deixou totalmente em pânico: a democracia. Era preciso proteger o status quo a qualquer custo.
O rei Hamad al-Khalifa, tecnicamente falando, solicitou a “ajuda” do CCG, para esmagar o movimento pró-democracia no Barein. De fato, a Casa de Saud já tinha planejada uma invasão pela ponte que liga a capital Manama à Arábia Saudita. A rotatória da Pérola em Manama – a Praça Tahrir do Barein – teve de ser literalmente posta abaixo pela ditadura al-Khalifa, para apagar qualquer memória física dos protestos.
Para o CCG e seu cão alfa, a Casa de Saud, o Barein fora “contido”; e os sauditas foram acalmados com propinas bilionárias. E abriram-se amplas possibilidades a partir do buraco negro geopolítico no Norte da África.
A Casa de Saud e o emir do Catar, Hamad al-Thani, operaram juntos e, desde então, não se largam – apesar dos recentes rumores de um golpe de estado contra o emir. O bombardeio “humanitário” da Líbia foi o clímax do abraço CCGOtan – com o Catar à frente, e a Casa de Saud, pode-se dizer, liderando da retaguarda.
Daí advieram dividendos fabulosos. Abdel Hakim Belhaj é hoje comandante militar de Trípoli; não é só ex-jihadista com laços com a Al-Qaida; também é íntimo da inteligência do Catar.
Hoje, Catar e Arábia Saudita repetem a mesma jogada geopolítica esperta na Síria: na ausência da Organização do Tratado do Atlântico Norte, Otan, armaram mercenários – inclusive jihadis e rebeldes-da-Otan transplantados da Líbia– forçando uma guerra civil. Ambos, a Casa de Saud e o Catar sabem que investir em incendiar divisões sectárias entre xiitas e sunitas sempre pega muito bem em Washington.
E há, de bônus, a maior penetração dos wahhabistas no norte da África – mediante o financiamento de islamistas na Tunísia e no Egito. O Catar ofereceu à Fraternidade Muçulmana US$ 10 bilhões de investimentos no Egito. E o Catar, de fato, controla hoje grande parte dos negócios de energia na Líbia – o que significa que lucrará lindamente com as exportações de gás para a Europa.
Doha pode ser vista como versão vastamente mais palatável que a medieval Riad – completada com arquitetura de ponta e “Qatar Foundation” impresso nas camisetas do FC Barcelona. O esperto emir está felicíssimo jogando para a torcida anglo-franco-norte-americana; e usa todas as variedades de golpes ocidentais no golpe mãe de todos os golpes, que é o redesenho, pelo ocidente, da geopolítica do Oriente Médio.
Em essência, pode-se chamar de “Velozes e furiosos: a vingança dos sunitas”. Do ponto de vista dos xeiques, estão vencendo uma guerra sectária contra os xiitas do Irã; os xiitas do Barein; o Hezbolá no Líbano; os alauitas na Síria; e estão na ofensiva contra o governo, de maioria xiita, de Bagdá.
Para os Homens Brancos Velozes, essas coisas não passam de arranca-rabos em terras bárbaras. Todos que compram ingresso para o Grande Prêmio do Barein ajudam a sustentar uma dinastia assassina, retrógrada, localmente impopular e sunita? Nada preocuparia menos os xeiques. Quer dizer: vamos todos nos divertir, nesse Grande Prêmio da Primavera Árabe afogada em sangue e champanhe.
Fonte: Redecastorphoto. Traduzido pelo coletivo Vila Vudu