Cobertura da mídia sobre a Argentina esconde o essencial

Mark Weisbrot, do Centro de Pesquisas Econômicas e de Políticas Públicas de Washington (CEPR) escreveu um interessante artigo para o jornal britânico Guardian a respeito do que "especialistas" consultados pela mídia falam sobre a Argentina. Resumo: o espetacular crescimento econômico do vizinho seria resultado do boom das commodities, notadamente da exportação da soja.

Por Luiz Carlos Azenha*

Weisbrot apontou como exemplo, entre outros, este artigo do New York Times, do qual destacou o trecho:

Navegando num boom de exportação de commodities como a soja, a economia da Argentina cresceu em média 7,7% de 2004 a 2010, quase o dobro da média anual de 4,3% do Chile, um país geralmente citado como modelo de políticas econômicas.

Weisbrot argumenta que a cobertura da mídia sobre a Argentina, especialmente em tempos de nacionalização da petrolífera YPF pela presidenta Cristina Kirchner, esconde o essencial:

O mito do boom das commodities é uma forma dos detratores da Argentina classificarem o crescimento econômico do país como fortuito. Mas a realidade é que a expansão econômica foi liderada pelo consumo e investimento domésticos. E aconteceu porque o governo argentino mudou a maioria das suas escolhes macroeconômicas mais importantes: políticas fiscal, monetária e de câmbio. É o que tirou a Argentina da depressão enfrentada entre 1998-2002 e a transformou na economia que mais cresce nas Américas.

Agora sobre a significância mundial do verdadeiro motivo da recuperação da Argentina: como eu e muitos outros economistas escrevemos, as políticas atualmente impostas às economias da eurozona — especialmente as mais fracas — são similares às da Argentina durante a depressão, que levaram à moratória e à desvalorização do peso. Aquelas políticas eram pro-cíclicas, significando que amplificaram o impacto da recessão. Juntas com o câmbio fixo e sobrevalorizado, pioraram a economia. Ao decretar a moratória e desvalorizar sua moeda, a Argentina ficou livre para mudar suas políticas macroeconômicas mais importantes.

Se as autoridades europeias (a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI) continuarem a bloquear a recuperação econômica da eurozona com medidas de austeridade sem sentido, os países serão levados a considerar alternativas mais racionais para restaurar o pleno emprego. O povo da Grécia, da Espanha, de Portugal, da Irlanda e de outros países é informado todos os dias que precisa engolir o remédio amargo e que não há alternativa ao sofrimento prolongado e às altas taxas de desemprego enfrentadas. Mas a experiência argentina — a realidade, não os mitos propagados — indica que isso não é verdade. Definitivamente, existem melhores alternativas — e elas não têm nenhuma relação com a soja ou com o boom da exportação de commodities.

*Luiz Carlos Azenha é jornalista editor do Portal Viomundo.