Medidas de austeridade têm impacto sobre a infância em Portugal

Começar as aulas sem ter tomado o café da manhã já é parte da vida cotidiana de milhares de meninos e meninas portugueses, que incluíram a palavra crise em seu ainda modesto vocabulário.

Entre o que ouvem de seus pais e o que veem na televisão, os menores também falam sobre a situação no país, recordando tempos melhores, sem medo das palavras quando, apesar da pouca idade, criticam os dirigentes políticos.

Em centenas de escolas públicas, meninas e meninos pobres perambulam sistematicamente ao redor dos balcões dos restaurantes, mas sem comprar nada, enquanto as autoridades escolares não podem oferecer mais do que um modesto desjejum para os mais necessitados, porque também seus orçamentos sofreram drásticos cortes.

A crise econômica que Portugal e muitos de seus vizinhos europeus enfrentam "tem impacto na vida das crianças deste país, e muitas delas cruzaram a linha de situação de risco", disse à IPS a presidente da organização não governamental Cidadãos do Mundo, Ana Filgueiras. A ativista teme que os drásticos cortes de fundos para as organizações não governamentais, decididos pelo governo do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, "agravarão ainda mais a dramática situação, especialmente dos mais carentes".

"Não é o Estado, mas as nossas ONGs que desenvolveram planos mais eficazes de proteção à infância", afirmou Filgueiras, natural de Lisboa e condecorada como "lutadora antifascista" contra a ditadura salazarista (1926-1974), que passou vários anos no Brasil, onde se destacou por denunciar, nas décadas de 1970 e 1980, os esquadrões da morte que assassinavam crianças de rua.

Os filhos de imigrantes em situação irregular "são os mais vulneráveis, já que lhes é negado acesso ao serviço nacional de saúde, o que pode gerar uma situação de extrema gravidade", indicou Filgueiras. Para mitigar os problemas da infância vulnerável "é preciso pensar no exemplo do Brasil, onde se ajuda de forma direta as famílias, num universo de 35 milhões de meninos e meninas", acrescentou. Neste sentido, "Portugal está muito atrasado, a anos luz do Brasil, onde nos últimos anos se avançou muito no campo social, enquanto aqui existem instituições do Estado, mas que não significam um processo de inclusão.

As críticas de Filgueiras são corroboradas pelo informe apresentado pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) referente aos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos), que reúne entre seus 34 membros todos os países ricos. Em seu informe anual, com dados de 2009, apresentado no dia 29, o Unicef indica que mais de 27% dos menores de 16 anos em Portugal vivem em situações de dificuldade econômica. Este país ocupa o quinto pior lugar entre os membros da OCDE, superado apenas por Letônia, Hungria, Bulgária e Romênia.

No documento desta agência da ONU, intitulado Medição da Pobreza Infantil, estima-se que, para reunir condições mínimas de vida, uma criança deve consumir três refeições diárias e ter um lugar tranquilo para fazer suas tarefas, conexão com a internet, pelo menos dois pares de sapato e capacidade para comemorar ocasiões especiais, como aniversários.

Não é o caso de 46,5% das meninas e meninos portugueses que vivem apenas com o pai ou com a mãe, em uma situação de dificuldades materiais. Na Espanha, a título de comparação, esta porcentagem não ultrapassa os 15,3%. Pior ainda estão aquelas crianças portuguesas cujos pais estão desempregados: neste caso o índice de privação chega a 73,6%.

O Unicef também indica que 14,7% de portugueses menores de 16 anos vivem abaixo da linha da pobreza, isto é, em famílias cuja renda anual por adulto é 50% menor do que a média da distribuição da renda, cerca de 520 dólares mensais. O documento cita Portugal e a República Tcheca como países a serem comparados, com renda anual por pessoa aproximada de 32,5 mil dólares. A diferença destacada pelo Unicef é abismal: a taxa de pobreza infantil é três vezes maior em Portugal do que entre os tchecos.

Fonte: Envolverde