Publicado 09/10/2013 13:49 | Editado 04/03/2020 17:07
Durante um período de quase um ano, fiz um curso, seguido de estágio, no cargo de Inspetor de equipamentos. O curso foi em Aracajú, capital do estado do Sergipe, na época um dos maiores produtores de petróleo em área terrestre do Brasil. Um detalhe: durante o curso eu era o único bolsista que me interessava em receber os boletins do sindicato. Isso gerou alguns comentários de um dos colegas da turma, o João Maria “Batata”, que sempre dizia: “taí, o sindicalista”. Eu sempre sorria e retrucava “eu… que nada, mas é bom ficar informado porque quando a gente for contratado vamos ter que conhecer o sindicato”. Finalmente, em 2 de dezembro de 1985, fomos contratados e, a partir daí, passamos a ser petroleiros de fato e de direito.
Nunca imaginaria que um dia iria me envolver no movimento sindical. Em 1985, ainda em Aracajú, estava fazendo o curso de inspetor de equipamentos da Petrobrás, após passar em exaustivo concurso. Como todo brasileiro, acompanhei toda aquela agonia de Tancredo Neves, então, passei a me interessar um pouco por política e, pelo menos, interessei-me mais em acompanhar o noticiário. De volta ao Rio Grande do Norte, fui trabalhar no Alto do Rodrigues, no S-7, na base da Petrobrás. Morava em Açu, uma pitoresca cidade do interior do Rio Grande do Norte, conhecida como a cidade dos poetas, e sempre que havia alguma reunião no sindicato eu fazia questão de ir, e sempre dava minha opinião sobre os assuntos em discussão. Não era nada elaborado, eu apenas gostava de dar minha opinião e geralmente criticava alguma coisa ou os chefes ou dirigentes do sindicato.
No final dos anos oitenta, eu já estava trabalhando em Mossoró, uma cidade bem mais estruturada do que Açu e com um povo aguerrido e com profundo sentimento de localidade, uma espécie de bairrismo apaixonado, onde se misturam a tradição familiar com o civismo municipal. Mossoró tem na sua historiografia de muitos mitos. Foi a cidade que combateu duramente o cangaceiro Lampião e seu bando. Também registra a primeira mulher a votar. Notabilizou-se como a cidade com maior produção de sal e petróleo em áreas terrrestres do país durante muito tempo e possui destaque como a primeira cidade a libertar os seus escravos no Brasil. Além disso, é reconhecida nacionalmente, e mesmo internacionalmente, como uma grande produtora e exportadora de frutas tropicais. Então, o nome Mossoró significa tradição de liberdade e está presente em todas as atividades da vida social, na política, na economia e na cultura.
Mossoró é a maior cidade do interior do estado e com a chegada da Petrobrás e de outras empresas de petróleo e de prestação de serviços experimentou um expressivo processo de desenvolvimento devido aos investimentos da Petrobrás. A paisagem urbana de Mossoró está modificada e em processo acelerado de crescimento e expansão imobiliária horizontal e vertical. Presentemente a Petrobras tem reduzido drasticamente suas atividades na região o que está provocando uma forte retração da economia regional gerando desemmprego e mazelas sociais.
Quando, em 1989, começaram as especulações sobre a campanha presidencial, eu já tinha uma opinião quase formada sobre em quem iria votar para presidente. Os noticiários da Rede Globo de televisão sempre destacavam a figura carismática de um certo governador do estado de Alagoas: Fernando Collor de Melo, mais conhecido como “o caçador de marajás”. Eu achava aquilo sensacional e me empolgava com as notícias sobre o Collor que a rede Globo, sempre ela, fazia questão de superdimensionar.
A medida que se aproximava a data das eleições, os debates ficavam mais acalorados e, nesse contexto, fui convidado por um colega de trabalho, o Paulo Sérvulo, que era ligado ao movimento sindical, mais precisamente à Corrente Sindical Classista, a CSC, e era presidente do Diretório Municipal do Partido Comunista do Brasil – PCdoB – em Mossoró, para participar de algumas reuniões da Corrente e do Partido, como também das reuniões do comitê da campanha da Frente Brasil Popular – PT, PCdoB e PSB.
Até então, eu continuava com aquela visão do caçador de marajás. Mas, na medida em que fui me envolvendo em alguns movimentos de greves, paralisações e reuniões fui tendo contato com discussões políticas cada vez mais fortes e abrangentes e, finalmente, quando a campanha para presidente esquentou, comecei a ter uma visão mais crítica sobre o “caçador de marajás” e comecei a enxergar politicamente muitas coisas. Passei a me sentir e raciocinar como um trabalhador e a perceber que havia dois lados, o lado do capital e o lado do trabalho, e eu fazia parte do lado que vendia a força de trabalho.
Foi nessa época que tomei conhecimento e li o Manifesto do Partido Comunista. Isso me abriu os olhos, e principalmente a cabeça, e mudei completamente de opinião. Passei a ter simpatia, cada vez mais, pela candidatura do operário Luis Inácio “LULA” da Silva. Veio a campanha e acabei sendo um dos membros ativos da coordenação da campanha de LULA em Mossoró. E, inclusive, em 1989, quando LULA veio a Mossoró, participei do comício e, incentivado por Paulo Sérvulo, cheguei a fazer um pequeno discurso.
Fernando Collor “venceu” e, em seguida, começou a implementar suas medidas de governo, com ênfase na revisão constitucional, principalmente da ordem econômica. Collor foi o primeiro presidente brasileiro a adotar as privatizações como parte de seu programa econômico, ao instituir o PND – Programa Nacional de Desestatização pela Lei nº 8.031/1990. Com o discurso da “modernidade” legitimou o neoliberalismo no Brasil e, nesse diapasão, muitas empresas foram extintas e outras foram privatizadas, através dos famosos leilões de privatização.
Em 1990, as demissões e privatizações chegaram ao Sistema Petrobrás e os petroleiros de todo o país não tiveram dúvidas em deflagrar uma greve nacional para defender a Petrobrás, os empregos e enfrentar o neoliberalismo. Eu não era do sindicato, pelo menos da direção, era apenas filiado e participei ativamente do movimento, sendo integrante do comando de greve. Depois da greve, fui “julgado” por uma comissão de disciplina interna e condenado a 29 dias de suspensão.
Em 1990, após a empolgante campanha presidencial de 1989 e após ter participado do I Congresso da Corrente Sindical Classista, resolvi me filiar ao Partido Comunista do Brasil, o PCdoB. No ano seguinte, 1991, comecei a fazer parte da direção do Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande do Norte, o SINDIPETRO/RN, onde estou até hoje.
Fiz questão de fazer esse pequeno histórico porque eu jamais imaginaria que poderia fazer parte, ativamente, de uma história de luta como essa. Eu era, do ponto de vista político, um desinteressado e, como muitos trabalhadores, estava muito mais preocupado em desenvolver minhas tarefas do dia-a-dia do que em me envolver com a luta política mais avançada. Essa coisa de nacionalismo, então, era muito mais voltado para as questões dos “noventa milhões em ação…”. Interessava-me, como disse acima, apenas um pouco pelas reuniões do sindicato. Nada mais que isso.
Mas, pouco a pouco, no calor das lutas pude então compreender com mais profundidade ideológica o significado do sindicato e da luta pelo petróleo brasileiro. A minha própria história de militância política, de certa forma, foi um encontro com as gerações passadas e presentes que lutaram e ainda lutam pela nossa soberania. Foi rompendo com minha própria alienação política e que, a bem da verdade, era resultado da lavagem cerebral imposta ao povo brasileiro pela ditadura militar a partir de 1964 e da formação profissional da própria Petrobras.
Em 1992 o SINDIPETRO/RN, e a Associação dos Engenheiros da Petrobrás de Natal e de Mossoró, a AEPET, uniram-se para dar continuidade a luta pelo petróleo e convidaram para proferir palestras em Natal e Mossoró, um dos brasileiros mais ilustres, um filho brilhante da nossa nacionalidade: Euzébio Rocha. Ele tinha vivido todos aqueles acontecimentos dramáticos e emocionantes da luta do “Petróleo é nosso!”, portanto, ninguém melhor do que ele estava mais credenciado, do ponto de vista da história política do Brasil, a preferir aquelas palestras.
Estávamos certos. Mais uma vez Euzébio Rocha empolgou a todos. Foi brilhante. Entusiasmado, emocionou a todos com uma defesa emocionada da necessidade e da justeza da luta pelo petróleo brasileiro. Suas críticas a Collor e seu governo neoliberal foram fulminantes. Foram momentos inesquecíveis.
Certamente a concepção e, portanto, o significado do nacionalismo de Euzébio Rocha eram diferentes do que nós do PCdoB tínhamos do significado e, principalmente, dos horizontes históricos da luta nacional, pelos motivos que vamos, mais a frente, esclarecer, mas isso, em hipótese alguma, impediu que nós, sindicalistas marxistas, estivéssemos juntos em mais uma batalha pelo petróleo brasileiro como bem disse Basrbosa Lima Sobrinho “superamos as divergências, desaparecem as siglas políticas e o confronto, apenas se dá, entre dois partidos: o de André Vidal de Negreiros ou o de Calabar, o de Tiradentes ou o de Joaquim Silvério dos Reis, o dos que lutam e servem ao Brasil e o dos que transigem e se servem do Brasil”.
Vendo hoje a auto-suficiência brasileira na produção de petróleo, não poderia deixar de destacar esse feito histórico, a exemplo de Euzébio Rocha, como sendo fruto do trabalho abnegado e decidido dos milhares de petroleiros de diversas gerações e da decisão política do povo brasileiro em estabelecer, através da sua luta, o monopólio estatal do petróleo e a criação da Petrobrás como executora desse monopólio através da Lei 2004, sancionada em 3 de outubro de 1953 pelo presidente Vargas.
Fico feliz e, ao mesmo tempo, mais uma vez, sinto ecoar na minha consciência as palavras de Euzébio Rocha: “a despeito da existência dos entreguistas, sempre dispostos a apresentar “novas teses” sobre a questão do petróleo, sem qualquer sustentação política e estratégica, a nação brasileira vencerá, mais uma vez, inapelavelmente! e construirá um país soberano, democrático e nacionalmente desenvolvido, com capacidade de promover a justiça social entre os seus concidadãos”.
Euzébio Rocha morreu no dia 31 de março de 1995, aos 75 anos de idade, dois anos antes da quebra do monopólio estatal do petróleo. Segundo o relato de sua filha, Ayala Rocha, horas antes do seu falecimento, levantou-se e deixou a mensagem que um companheiro solicitara. Foi seu derradeiro alerta à pátria ameaçada:
“O neoliberalismo é o superado passado tornando-se uma ignomínia presente. É a tentativa suprema de confundir a nação. A pátria vencerá! Unidos pela salvação do Brasil! O povo vencerá essa batalha inapelavelmente”.
Muitos brasileiros, como eu, pessoas simples, do povo, por muitos e muitos anos, enfim, ao longo do tempo, sempre se questionaram, e se questionam ainda, como pode o Brasil, com todo esse potencial, com toda essa história de lutas, continuar, ainda, na ante-sala do desenvolvimento? Grandes passos foram dados com a chegada de Lula ao governo, mas, infelizmente, estamos vendo no governo Dilma coisas absurdas aocntecendo contra os trabalhadores e contra o nosso país como é o caso dos famigerados leilões do petróleo.
A resposta para essa pergunta Euzébio Rocha nunca se cansou de dar, porque não apenas falava, acreditava e lutava por isso “somente a luta decidida do nosso povo, dizia, poderá transformar o Brasil no rumo do destino de uma grande nação que todos nós queremos e merecemos. Vale a pena lutar!”.
Dedico este artigo a todos os petroleiros ativos, aposentados e pensionistas de todas as áreas que lutaram e que permanecem lutando por dias melhores e por um país soberano e melhor para se viver, especialmente, aos meus companheiros da direção e da base do SINDIPETRO/RN. Aos que pereceram construindo esse sonho chamado Petrobrás rendo as minhas homenagens.
Com suas realizações, descobertas e desenvolvimento de tecnologia os petroleiros fazem com que a Petrobras continue, a cada ano, sendo motivo de satisfação, orgulho e júbilo para o povo brasileiro. A dedicação desses companheiros ao seu trabalho e à luta constitui-se num referencial histórico do quanto é possível sacrificar uma existência em prol da construção de uma nação soberana e altiva. Que cada vez mais a sociedade brasileira possa conhecer e compreender o que esses companheiros fizeram e são capazes da fazer pelo nosso país. Viva a Petrobras! Viva os petroleiros! Viva Euzébio Rocha! Viva o povo brasileiro!
*Marcio Dias, Sociólogo, Sindicalista, Secretario Geral do SINDIPETRO-RN, vice-presidente da CTB-RN e militante do Partido Comunista do Brasil – PCdoB