Jânio de Freitas e o rigor da Lava Jato
O jornalista e colunista da Folha de S. Paulo, Jânio de Freitas, comentou em sua coluna deste domingo (14), intitulada “Em defesa do rigor”, o comportamento do juiz Sérgio Moro e dos procuradores da República na condução da Operação Lava Jato.
Publicado 15/02/2016 08:58

Jânio de Freitas inicia seu texto falando sobre as denúncias que fez no passado de fraudes em licitações entre governo e grandes empresas. Diz ele: “Os donos e dirigentes das grandes empreiteiras começavam a ver a Folha pela página A5. Em várias delas, eu soube também, havia encarregados de examinar todos os pequenos anúncios, todos os dias. Procuravam, no lugar então fixo desta coluna hoje volátil, e também em possíveis anúncios cifrados, a revelação da fraude na próxima grande licitação de obra pública. Foi preciso usar outros jornais, com modalidades diferentes, e um desequilibrado dirigente de O Globo até me prometeu, literalmente, acabar comigo, porque usei os classificados do jornal – não para provocar o neurótico, claro, mas pela urgência de usar o jornal que encerrava mais tarde a recepção de anúncios”.
Num trecho mais adiante, Freitas relata que foi investigado e processado em razão de suas denúncias: “Foram também vários processos contra mim, dois inquéritos policiais (um da Polícia Federal, a mando do diretor Romeu Tuma, outro da polícia fluminense, a mando de Moreira) e uma CPI no Senado. Nenhuma condenação. Fui defendido por alguns dos mais brilhantes advogados, sem ser cobrado em um centavo sequer. Palavras de Márcio Thomaz Bastos: ‘Defender você foi serviço público’”.
Jânio de Freitas, a certa altura, comenta a atitude do juiz e dos procuradores com relação à atuação dos advogados na operação que investiga irregularidades na Petrobras: “Por si mesmos, esses fatos não têm mais interesse. Mas têm uma função. Atestam que advogados aptos a ganhar muito bem na defesa das ricas empreiteiras, alguns procurados por elas, provaram não ser meros mercenários. Entre esses advogados, há quem tenha clientes na Lava Jato. E esteja entre os inconformados com alguns procedimentos de procuradores e do juiz Sérgio Moro. Suas ponderações, formais ou pessoais, porém, são recebidas com menosprezo, quando não com mal disfarçada arrogância. Tal atitude não é rara na magistratura e no Ministério Público, mas se a Lava Jato ostenta a pretensão de estar corrigindo costumes inadmissíveis, só pode ter autoridade moral se não incorrer, ela própria, em alguns deles”.
Ao citar a carta publicada por centenas de advogados criticando a condução da Operação Lava Jato, Jânia a chama de “emocional” mas, ao mesmo tempo, indaga se as questões levantadas eram infundadas, “a ponto de só merecerem da Lava Jato umas poucas e duvidosas ironias”. Em seguida afirma: “Tanto não era o caso, que logo viria a reclamação do ocorrido ao depoimento do delator premiado Paulo Roberto Costa. Sua frase inocentando um acusado, com ênfase e convicção, foi omitida na transcrição e substituída por uma afirmação frágil”.
Ainda sobre o depoimento de Paulo Roberto Costa, Jânio de Freitas afirma: “A meio do Carnaval, a Folha trouxe respostas de Roberson Henrique Pozzobon, procurador integrante da Lava Jato, a diversos questionamentos à operação. O problema com a frase de Paulo Roberto, a seu ver, é ‘tempestade em copo d'água’, decorrente de releitura equivocada de advogado de defesa. Não houve erro de leitura nem de releitura: o texto da Lava Jato é muito claro. O erro foi de redação na Lava Jato, precedido de erro ético, ou mais, muito grave”.
Sobre a forma como são obtidas as delações premiadas, o colunistas comenta a resposta do representante do Ministério Público: “A percepção de que prisões duradouras são feitas como coação para obter delações premiadas é, segundo Pozzobon, ‘uma falácia gigante’. Não. É uma evidência. Com repetições numerosas. Evidência que os procuradores e o juiz da Lava Jato não demonstraram ser ilusória, antes fortalecendo-a com novas repetições”. Ainda sobre esta questão das delações: “Pozzobon recupera o argumento de que ‘mais de 70% dos acordos celebrados [de delação premiada] com réus da operação ocorreram enquanto estes estavam soltos’ (texto da Folha). Os 70% soltos não provam a inexistência de coação sobre os 30% que estavam presos. E nada prova que, soltos, muitos dos 70% não se entregaram ao acordo por medo à ameaça de serem presos”.
A tentativa do juiz Sérgio Moro de desqualificar a atuação dos advogados é rebatida por Jânio de Freitas em patamar muito elevado. Ao rebater a afirmação de Moro de que os advogados reclamam por interesse dos seus clientes, o jornalista afirma: “Óbvio, não? Mas enganoso. Na defesa de procedimentos judiciais corretos, o suspeito, o acusado e o condenado são circunstanciais, são apenas instrumentos. O que é defendido é o Estado de Direito, é a democracia, é a Constituição. É cada cidadão, cada um de nós”.
Ao final, o experiente e respeitado jornalista afirma: “O rigor nos procedimentos não impede e nem mesmo dificulta investigações e a condenação de quem deva tê-la. O contrário do rigor foi o que começou como mau uso de poder, na Petrobras, e levou à criação da Lava Jato”.