Divergência no golpe: Serra invade seara de Meirelles para discordar

Sem identidade clara e desunidos, os apoiadores do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff explicitam, a cada dia, novas divergências no interior do governo ilegítimo de Michel Temer (PMDB-SP). Embora tenha como função cuidar da Política Externa, o chanceler José Serra (PSDB-SP) decidiu agora invadir a seara alheia e dar pitaco sobre a política econômica, a cargo do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

Serra Meirelles

“Em períodos de depressão, não há ajuste fiscal possível”, afirmou Serra, em evento no Tribunal de Contas do Estado de S.Paulo, nesta quinta-feira (19). Já Meirelles tem dito repetidamente que promover um ajuste fiscal e conter o crescimento da dívida pública são prioridades para reaver a confiança na economia.

As medidas anunciadas até então pela equipe econômica seguem a lógica dos cortes orçamentários e do arrocho nas costas do trabalhador, a mesma diretriz utilizada quando o partido de Serra, o PSDB, comandava o país.

De acordo com o jornal Valor Econômico, Serra falou ainda sobre um de seus temas favoritos, os juros básicos da economia. Ele ressaltou que os juros são responsáveis por 90% do déficit nominal, que deve girar ao redor de R$ 600 bilhões. “Para vocês terem uma ideia da implicação fiscal da política monetária”, afirmou.

O chanceler que queria ser ministro da Economia avaliou ainda que a dívida pública deverá piorar muito, antes de melhorar. Sobre a negociação da dívida dos Estados e municípios com a União, adisse que os “Estados e municípios têm vocação louca para gastar em custeio e reajustar salário”. Segundo o Valor, Serra declarou que aposta em uma renegociação e admitiu que o projeto enviado pelo ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa à Câmara “era bom”.

Alguns aliados de Temer já avaliaram que tanto Serra quanto Meirelles devem brigar por espaço na gestão do pemedebista, já que ambos teriam pretensões de disputar a sucessão presidencial em 2018.

Serra já teceu duras críticas a Meirelles no passado. Quando especulou-se que o atual ministro da Fazenda poderia substituir o Joaquim Levy, Serra chegou a dizer que ele havia sido o pior presidente do Banco Central do país.

Histórico de conflitos

O hábito de opinar sobre o ministério alheio é antigo companheiro de Serra. Durante a primeira gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), Serra, então titular do Planejamento, também vivia em conflito com o ministro da Fazenda, Pedro Malan.

Sempre que possível, tecia críticas ao companheiro de governo, em relação aos gastos públicos, juros e taxas de câmbio. Nem mesmo ao assumir a pasta da Saúde, que tinha menor interface com a Fazenda, os atritos se encerraram.

“Serra queria ser ministro da Fazenda e não foi. A partir daí, travou-se uma disputa com mil faces distintas, que envolvia sobretudo o câmbio”, disse Everardo Maciel, secretário da Receita durante o governo Fernando Henrique

“Mas no fundo acho que tanto o Serra quanto o Malan nunca tiveram grandes discrepâncias em relação à política fiscal. Era uma disputa política – e, quando tem disputa política, o resto que se cria são arabescos laterais, firulas, que não revelam qual é a verdadeira disputa”, completou, em declarações citadas pela Revista Época.

De acordo com a Folha de S.Paulo, no segundo volume de seus "Diários da Presidência (1997-1998)", Fernando Henrique Cardoso aborda os conflitos com Malan e conta a dificuldade que teve de convencer Serra de que o cargo que ocuparia em seu segundo mandato seria o de Ministro da Saúde. Ele almejava um posto na área econômica.

Segundo FHC, "ele ia e voltava, queria uma pasta ligada ao Emprego ao trabalho, um superministério que incluísse o BNDES e a Caixa Econômica". A insistência era tamanha, que, em dado momento teria sido preciso dizer: "Olha Serra, é a Saúde, e não é 'ou'", conta o ex-presidente no livro.

De acordo com a Folha, em certa passagem, FHC refere-se a Serra como alguém que "não consegue corrigir certos problemas de relacionamento". "Mesmo alguém cordato como o Malan, mas também teimoso, obstinado e desconfiado, se sente inseguro com as manobras do Serra", diz trecho da publicação citado no jornal.