Publicado 09/09/2018 16:04
Depois de mais de quarenta anos, parece que, enfim, o batalhado Parque Augusta, na região central da capital paulista, vai se tornar realidade. Um termo de acordo entre a Prefeitura de São Paulo, o Ministério Público Estadual e as construtoras proprietárias do terreno foi assinado no último dia 10 de agosto. A conquista de uma área verde, de uso público, em uma das zonas mais áridas da cidade, deixa um histórico de lutas que pode servir de inspiração para a vida urbana em tantas outras partes do Brasil.
O primeiro legado é o da resistência, inclusive ao poder econômico. A comunidade que se envolveu para garantir que o antigo jardim ficasse livre da cobiça do mercado imobiliário mostrou que, apesar de todas as adversidades, de passos adiantes e retrocessos, a mobilização vale a pena. Graças à intensa articulação de parte da sociedade, o poder público, mesmo com o histórico de ser conivente com a sanha das construtoras, dessa vez precisou por freios na ganância do capital privado.
Vereadores e prefeitos de todas as correntes políticas que controlaram e controlam a administração pública municipal nos últimos anos tiveram de tomar providências que, de alguma forma, atendiam à reivindicação da comunidade mobilizada. Se, por um lado, havia o lobby do mercado imobiliário, de outro estava a pressão popular – intensa e atenta. O acordo firmado entre Prefeitura, Ministério Público e construtoras é menos por iniciativa própria desses entes, e mais por força do povo unido.
Imbróglios assim são rotina em cidades pelo Brasil. Áreas de valor histórico, cultural, social, ambiental, da noite para o dia deixam de pertencer à coletividade para se tornarem reféns do poder econômico. No lugar de edificações antigas emblemáticas; de áreas verdes que representavam respiro para quarteirões tomados por concretos, da noite por dia aparecem tapumes e escavações, das quais tempos depois emergem edifícios artos, como cantou Adoniran Barbosa em “Saudosa Maloca”.
Não é se opor ao progresso. Ao contrário. É entender que progresso é qualidade de vida. E qualidade de vida se faz com refúgios ambientais, culturais; com espaços de convivência, pública, entre as pessoas que são as cidades.
Outro legado é para os gestores públicos. Aos técnicos da burocracia e aos detentores de cargos de confiança ou eletivos em todo o país, o acordo entre entes estatais e capital privado em São Paulo comprova ser uma falácia a desculpa de que impor contrapartidas à iniciativa privada afugenta investimentos.
É uma ladainha apregoada por quem só quer lucrar sem o mínimo de responsabilidade com o entorno, com a comunidade onde se insere. Ocorre justamente o contrário. Atuação forte do Estado, firme na defesa dos interesses públicos atrai investimentos de verdade. Que geram emprego, renda. Mas que geram condições dignas de vida em sociedade.
*É jornalista e professor. Mestre em estudos de linguagens. Licenciado em geografia. Bacharel em comunicação. Mantém e edita a Rede Macuco