Coisas que perdemos na vida

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Já devo ter escrito, e foi há muito tempo atrás, sobre isto ou sobre aquilo, poemas ou relâmpagos de memórias e inspiração, mas perdido está. O incômodo de se perder coisas perpassa nossas vidas e todos sabemos relatar seu tamanho. Algumas perdas são doloridas, outras apenas fazem pena.

Na adolescência, como ainda hoje, andava com caderninho e caneta em punho. Na rua, no ônibus, na aula vinham os pensamentos sobre o que via, ouvia. Tinha que escrevê-los. Produzi uma coletânea que chamei de "Seção verde-amarelo". Um sapatinho de bebê tricotado com lã azulzinha pendurado no retrovisor do ônibus deve ter sido o estopim para tomar gosto em relatar coisas populares e viajar numa realidade inventada. "Uma brasileira com seu bebê aos berros de fome, cheia de sacolas e leite no peito, deixou o sapatinho cair no amontoado de gente trabalhadora que vai e vem no ônibus todos os dias." O sapatinho vira amuleto do motorista e eu sinto tanto esta perda…

Tenho saudade do que escrevi e ninguém leu. Acho que estes contos estavam num lote de escritos, entre os poemas de amor que fazia – ah! a dor do amor, o alvo da minha fúria – e que coloquei fogo. E pronto! Decisão arrebatada para esquecer esse assunto de paixão que tira o sono e embola o estômago. Apagar lembranças, acalmar meu coração, virar a página. Mania de ler e reler a página da vida até nada mais poder extrair dela. Até concluir que tudo foi interpretado. Até poder virá-la e, se precisar, rasgá-la, incendiá-la. A coletânea de escritos se perdeu nesse ímpeto. Um amor, também.

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