A dona Lô que aparece em meus escritos da chapada do Arapari
Era irmã do meu avô Braulino uma tia muito querida, a tia Lô, que me chamava de "Fátia". Era uma sendeira "quieta" – mulher separada do marido que não tem homem. Era uma Bodô (nome do pai dela), mulher de respeito, sem filhos, mas criou a Maria das Graças e o Dé, vaqueiro do meu avô; e eu era uma espécie de adoração dela.
Publicado 23/11/2010 23:32
Na casa da tia Lô, havia um copo de alumínio, um prato esmaltado, uma colher e um talher de metal que só eu podia usar. Ai, ai de quem "bulisse" neles, pois tia Lô não deixava e ainda alfinetava: "Não bole nas coisas da Fátia que ali é menina puro entojo!". Naquele tempo, usava-se colheres de cobre, lindamente amareladas, da cor de ouro, mas elas azinhavravam. Eu as odiava, pois, quando não bem lavadas e esfregadas na areia de tabatinga, davam um gosto ruim à comida. Como ela morava na fazenda do meu avô, bem perto do curral, ficava em sua casa também um "copo de asa" (de alumínio) para beber leite mungido, que era só meu.
Eu adorava a comida da tia Lô e nas férias zanzava muito na casa dela. Era costume, em casa de muitas crianças, a comida ser servida numa bacia grande; uma colher pra cada uma, que comiam ali, sentadinhas no chão forrado com uma esteira de palha de palmeira de coco babaçu. Ela fazia assim com os netos, os filhos do Dé, que naquela época eram uns quatro. Mas eu não comia daquele jeito em minha casa. Então, ela fazia o meu prato e o colocava na mesa. De vez em quando, o Rompe-ferro, um cachorro do meu avô, avançava na bacia e devorava a comida das crianças! Pense na choradeira…
Era adolescente quando ela morreu em meus braços. Ela é uma doce e inspiradora recordação. Tia Lali, do meu livro "Reencontros na Travessia: a tradição das carpideiras", é a sua imagem. Ainda sob sua inspiração, criei a dona Lô, em "Tá lubrinando – Escritos da chapada do Arapari", um blog literário: um ponto de publicação de "coisas" escritas em momentos de grandes inspirações, pois a chapada do Arapari é um lugar que existe, mas, ao mesmo tempo, é meu imaginário… <http://talubrinandoescritoschapadadoarapari.blogspot.com>
Nunca desejei ter um blog e resistia, apesar das cobranças de muita gente que não entendia como uma escritora e livre-pensadora com produção intelectual enorme e intensa não mantivesse um, nem que fosse para ser depositário de crônicas, artigos e ensaios de minha autoria – exatamente uma característica que jamais me fascinou.
Todavia, durante a campanha das últimas eleições presidenciais, aprendi que é vital saber "dar o pulo do gato" para ocupar possíveis vazios da política, dada a receptividade de dois textos meus – "especiais" para o "Viomundo", o popular "blog do Azenha", cujo editor é o jornalista Luiz Carlos Azenha – que dialogavam com um momento político misógino, por haver uma mulher libertária candidata à Presidência da República. Ali foi forte a percepção de que uma presidente com a feição política de Dilma não pode prescindir de demonstrações de apreço das mulheres em luta.
Tia Lô, que "mandava em sua semana", dizendo que mulher que dá conta de si pode tudo, explodiu em minha memória com sua graça. Sem dúvida, ela seria uma dilmista juramentada. Assim, surgiu o "Tá Lubrinando – Escritos da chapada do Arapari", como um espaço literário de ficção, abrilhantado por dona Lô, que apareceu no episódio "Dona Lô vai a Brasília" colocando na platibanda de sua casa a faixa: "Eu sou é Lula até debaixo d'água! Viva Dilma Rousseff, a primeira presidenta do Brasil!".