Sobreviver ao jaguncismo exige arte e muita manha

Para especular sobre o que agosto trará na política brasileira, urge recorrer à psicologia do jagunço. Há seis meses, o Brasil vive sob a batuta do sistema jagunço, sem que as forças políticas constituídas pelo voto popular esbocem qualquer coisa que possa ser chamada de resistência.

A impressão é que se quedou ao jaguncismo político até quem não concorda com suas práticas brutas. O jaguncismo mete medo. Vivemos dias de muita tensão. E, pior, não aparece saída no horizonte. Todavia, reli diariamente trechos de “Grande Sertão: Veredas” por acreditar que precisava entender mais da psicologia do jagunço.

Para M. C. Leonel & J. A. Segatto, em “Política e violência no sertão rosiano”: “O universo do grande sertão de Guimarães Rosa expressa um complexo de elementos fundamentais que vigem nas relações humanas e sociais do país e as perpassam historicamente. O ‘sertão aceita todos os nomes: aqui é o Gerais, lá é o Chapadão, lá acolá é a caatinga’ (Rosa, 1978: 370)”.

No último dia 17, o sistema jagunço de poder sofreu um abalo, com a rendição do seu chefe à oposição ao governo diante da possibilidade de a sua vida ser examinada com rigor em busca de rastros, porque até agora ele tem sido o bom caminhante de Lao-Tsé – célebre filósofo da China antiga, autor do “Tao Te Ching”, a obra basilar da filosofia taoista.

Disse Lao-Tsé: “Um bom caminhante não deixa rastros”. A hora do vamos ver é quando agosto chegar. O futuro político do Brasil está em suspenso até lá. Temos tempo para apreender o que quis dizer Guimarães Rosa ao escrever que “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.

Elizabeth Hazin, professora da UnB, autora da tese de doutorado “No Nada, o Infinito” (da gênese de “Grande Sertão: Veredas”, 1991), diz que “Guimarães Rosa preocupava-se com o fato de serem os jagunços invariavelmente vistos apenas como seres sanguinários, vingativos, sem estofo algum de natureza mais nobre. Era preciso revelar – e só a literatura seria capaz disso – o drama existencial daqueles homens: seus anseios, angústias e inquietações” (“O aproveitamento de resíduos literários no Grande Sertão”, 2008).

Daí porque o velho Rosa é o melhor celeiro para apreendermos a psicologia do jagunço e aquele olhar obsedado que chamou a minha atenção na última eleição da presidência da Câmara dos Deputados, sobre a qual escrevi: “Se Severino Cavalcanti tinha aquele olhar de paspalhão, o de Cunha é puro Hermógenes, um chefe jagunço de ‘Grande Sertão: Veredas’, de Guimarães Rosa, que sequer respeitava as normas/leis da jagunçagem, como disse Riobaldo Tatarana: ‘O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado’” (“Uma República democrática e laica sob o sistema ‘jagunço’”, O TEMPO, 17.2.2015).

Para Riobaldo, o “sistema jagunço” é: “Ah, a vida vera é outra, do cidadão do sertão. Política! Tudo política, e potentes chefias”. E, para quem não leu “Grande Sertão: Veredas”, ou não lembra, Renata de Albuquerque, em “Diadorim e Hermógenes: Jogo de duplos e espelhamento em ‘Grande Sertão: Veredas’”, relembra: ‘‘Hermógenes é ‘fel dormido’. Até porque Hermógenes não precisa ‘impor-se mau’, pois ele assim o é por si mesmo (e por resultado do pacto que fez). Assim, Hermógenes aparece-nos como a excrescência do ambiente do sertão, pois estão nele concentradas, justamente, todas as características que aparecem, por vezes isoladamente, em cada homem da jagunçagem”.

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