Proteger e desenvolver soberanamente a Amazônia  

Palavras ao vento. Assim podem ser entendidas as nuvens de acusações, em geral sem pé nem cabeça, lançadas pelo presidente […]

Palavras ao vento. Assim podem ser entendidas as nuvens de acusações, em geral sem pé nem cabeça, lançadas pelo presidente Jair Bolsonaro sobre as queimadas na região da Amazônia. Nesta terça-feira (27), em reunião com governadores da região, o presidente reiterou a mentira de que ONGs ligadas aos quilombolas e indígenas são as responsáveis pelos incêndios, no que foi prontamente contestado com firmeza e serenidade pelo governador Flávio Dino, do Maranhão.

Bolsonaro segue com sua conduta irresponsável, como fez nos casos das perseguições no Ibama e no Inpe. Ao agir à margem do bom senso, ele deu uma espécie de carta branca aos incendiários e pôs freio nos mecanismos criados ao longo do tempo para agir na proteção do meio ambiente. E mais: expôs o país e o tornou vulnerável num tema extremamente sensível na arena internacional.

O palavrório e a negligencia, além de dar a senha às queimadas criminosas, abriram a guarda para o despertar de velhos pretextos intervencionistas dos que chegaram ao topo da pirâmide da economia mundial deixando para trás um rastro de destruição ambiental sem precedentes na história.

Pior: a falta de sobriedade das falas bolsonaristas faz do presidente uma figura execrada no debate internacional sobre o assunto. Consequência: a economia do país, já combalida, se vê sob ameaças de retaliações, sobretudo o setor mais pujante — o de commodities, da agricultura e pecuária.

A reunião dos ricos, o G7 (Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha, Japão, Itália e Canadá), fez de conta que o Brasil não tem presidente. O assunto ganhou destaque a partir da ênfase que lhe deu o anfitrião da reunião, o presidente francês Emmanuel Macron. Prevaleceu forte censura ao Brasil.

O entrevero ocorre num momento em que o Mercosul se lança nos braços da União Europeia, celebrando um acordo assimétrico, mas com potencial de atingir a França sobretudo pela competição agrícola, o chamado agronegócio — seu temor diante da excelência do Brasil nessa pauta não é infundado. Com o agravante de que ela não tem total apoio dos seus vizinhos. Na troca de impropérios com Bolsonaro, Macron enfrentou resistências dos governos do Reino Unido e da Alemanha.

Angela Merkel, a chanceler da Alemanha, agiu para abaixar a temperatura, ciente de que a escalada retórica de Macron daria motivos para Bolsonaro reforçar sua imagem de “patriota” defensor do Brasil contra ataques externos. Nesse ponto, o mandatário francês se isolou na cúpula do G7.

Bolsonaro foi chamuscado, mas o problema da soberania brasileira vai muito além disso. Ele tem mais a ver com a sabujice do presidente brasileiro diante do governo dos Estados Unidos; Bolsonaro nunca fez questão de economizar palavras súplices ao se dirigir ao chefão da Casa da Branca.

O resultado, como o site The Intercept revelou por meio de documentos, são interesses dos Estados Unidos na exploração da pecuária, da mineração e do agronegócio, focados nas exportações, incentivados por lobistas do Partido Republicano favoráveis ao governo Trump, “que iniciaram conversas com o governo brasileiro para promover o investimento empresarial na Amazônia.”

O governo do Brasil, pelo papel relevante do país na geopolítica e na configuração dos intercâmbios econômicos, deveria prezar a sua soberania e se dar ao respeito. Ao se comportar de maneira irresponsável, Bolsonaro abriu um flanco importante para o ressurgimento das surradas teses de soberania limitada e internacionalização da Amazônia.

Teses que hoje como no passado devem ser rechaçadas. É mais um motivo para reforçar a ideia de que o Brasil precisa reunir todas as forças na defesa dos seus interesses, o que começa pela democracia e a soberania nacional