A caminho da recessão
A primeira semana do Ano Novo terminou reforçando a impressão de que a crise imobiliária está conduzindo os Estados Unidos ao acidentado caminho da recessão, malgrados os esforços das autoridades econômicas na direção contrária. O sinal mais relevante de
Publicado 08/01/2008 09:05
No ramo imobiliário as coisas continuam indo de mal a pior. O número de solicitações de empréstimos hipotecários registrou forte declínio, de 11,6%, na última semana do mês passado, já com o ajuste sazonal devido às comemorações do Natal (sem ajuste, o recuo foi de 47,2%), sugerindo que o fundo do poço ainda não foi atingido.
Um cenário crítico
Refletindo a preocupação dos investidores com o trôpego andar da carruagem imperial, as bolsas desabaram em Nova York e arrastaram para baixo os mercados de capitais em quase todo o mundo no final de semana. As ações despencaram na Alemanha, França, Inglaterra e outros países europeus. No Brasil, o Ibovespa perdeu quase 3%.
O desempenho dos negócios nos EUA lança um véu de dúvidas e incertezas sobre as perspectivas da chamada economia mundial em 2008. O comportamento das bolsas é um sinal de que os efeitos da crise não ficarão restritos ao norte da América. Os desdobramentos dependem da dimensão que os problemas no interior do império vão ganhar ao longo dos próximos meses.
O comportamento decepcionante do PIB, aparentemente provocado por fatores cíclicos que perturbam recorrentemente a reprodução capitalista, também está contribuindo para abalar a já frágil saúde do padrão dólar no mundo. O ouro bate seus recordes anteriores e o euro está chegando a 1,5 dólar, atraindo a preferência dos investidores. O ex-presidente do FED (Federal Reserve, o banco central dos EUA), Alan Greenspan, chegou a declarar, durante recente conversa com empresários de Lisboa, que “o euro já é uma moeda internacional” e “hoje em dia nós temos efetivamente duas moedas para armazenar valor no mundo”.
O fantasma da estagflação
A queda do dólar reflete prováveis dificuldades para o financiamento do balanço de pagamento dos EUA. Sabe-se que o império demanda mais de 2 bilhões de dólares em investimentos estrangeiros a cada 24 horas para fechar suas contas e preservar o valor relativo da moeda. Se não consegue atrair tanto dinheiro, é forçado a emitir papel-moeda para pagar as obrigações contraídas no exterior, estimulando a inflação do dólar. Neste jogo não participam apenas os bancos centrais de diferentes nações, em especial o da China. Os capitalistas privados também são protagonistas.
Ocorre que o capital, por força da própria natureza, persegue o lucro e foge dos prejuízos assim como o diabo da cruz. A crise, distribuindo perdas bilionárias a torto e direito, está afugentando os investidores estrangeiros, que aparentemente passaram a considerar menos arriscado e mais lucrativo, por esses dias, aplicar em alguns países ditos emergentes da periferia do que em Nova York.
A redução dos juros, definida pelo FED com o propósito meio desesperado de evitar a recessão, também contribui para depreciar o valor das verdinhas norte-americanas ao tornar ainda menos atraente investir nos ativos financeiros do império com retorno atrelado à taxa básica de juros. A inflação do dólar e a alta do petróleo, que chegou a US$ 100,00 o barril na semana passada, estão ressuscitando o fantasma da estagflação, uma combinação heterodoxa de inflação com estagnação econômica que perturbou o cenário econômico internacional nos anos 70 do século XX, também marcado por uma séria crise do padrão dólar. Combinado com o avanço do desemprego, tudo isto tende a deprimir o consumo e o PIB.
Dissipam-se as ilusões
Fenômenos interligados, a crise imobiliária e a crise do dólar revelam a fragilidade da economia estadunidense, que ingressou no século XXI amargando o colapso da “Nova Economia” e a recessão de 2001. São acontecimentos desconcertantes para quem apostou suas fichas no relançamento da hegemonia econômica dos EUA e alimentou a idéia de que a superpotência em declínio seria a grande locomotiva da economia internacional pelo menos até 2050. Felizmente, a realidade tem o dom de dissipar ilusões.
A vida também está colocando à prova a capacidade, o alcance e os limites das intervenções anticíclicas feitas pelo Estado para debelar a crise econômica. Deixando de lado o discurso neoliberal, que recomendam aos outros, a Casa Branca e o FED estão fazendo o que podem e até o que não podem para evitar a recessão, mobilizando centenas de bilhões de dólares para socorrer banqueiros em apuros, reduzindo juros, exibindo otimismo (Bush disse sexta-feira que os mercados estão “saudáveis”) e anunciando pacotes de boas intenções, tudo no melhor estilo keynesiano.
O mais provável é que, agora como em outras ocasiões da história, o sucesso das iniciativas do Estado seja apenas relativo e, dada a natureza contraditória das políticas econômicas, caberá ponderar os efeitos colaterais do remédio, como o estímulo à queda do dólar promovido pela redução dos juros. Afinal, as leis econômicas têm caráter objetivo, o capitalismo ainda dança ao ritmo das músicas entoadas pelo mercado e este, por sua vez, desde sempre foi atraído pelos desatinos da Anarquia.
Eleições presidenciais
Conforme ensina o ditado popular, há males que vêm para bem. Um efeito positivo da crise em curso nos EUA pode se verificar no plano da política interna norte-americana. O desemprego e outros males da recessão capitalista, aliados às carências sociais, sobretudo na área de saúde, certamente vão azedar um pouco mais o humor do povo em relação ao governo neofacista de George Bush. Ele já é um recordista em impopularidade, um político desmoralizado pelas mentiras e pelo fracasso na guerra imperialista contra o Iraque.
Por esta e outras razões, é de se esperar que as urnas reservem ao atual presidente e seus pares republicanos uma séria derrota nas eleições presidenciais convocadas para o próximo ano. O insucesso no campo da economia pode ampliar o revés do governo e quem sabe até favorecer alternativas de mudanças um pouco mais convincentes. A surpreendente vitória do senador negro Barack Obama, quinta-feira (3-1) nas prévias presidenciais do Partido Democrata em Iowa, um estado de população majoritariamente branca (90%), é um sinal de cansaço popular com as velhas elites imperialistas e uma mensagem promissora de esperança e mudança.