A crise da esquerda: uma contribuição ao debate

“A depender de quem faz essa análise devemos fazer um filtro, para não nos pautarmos por quem quer nos enfraquecer.”

Foto: Ricardo Stuckert

Muito se tem discutido sobre a crise da esquerda. Análises surgem de todos os lados, e a primeira coisa a fazer é verificar a origem dessas análises para, em seguida, entender o real objetivo delas. Quase todos os jornalistas da grande mídia se tornaram “especialistas” em esquerda e passaram a ditar o que devemos ou não fazer. Outros que falam sobre a crise da esquerda são partidos sem relevância política, que usam esse momento como uma “janela de oportunidade”, para tentar ganhar projeção política.

O debate acerca da crise da esquerda é complexo, devendo ser entendido dentro do processo de luta de classes. A depender de quem faz essa análise devemos fazer um filtro, para não nos pautarmos por quem quer nos enfraquecer.

É evidente que existe uma crise. Mas como não haveria uma crise, diante dos acontecimentos que passo a citar brevemente?

Na década de 1990, a queda do bloco socialista foi um golpe devastador para a esquerda. Na mesma década, a implementação das políticas neoliberais colocou os partidos de esquerda e os movimentos sociais em uma defensiva histórica no Brasil.

Em 2002, com a eleição de Lula à Presidência, tivemos um aparente ciclo de avanço da esquerda. Aparente porque as vitórias sempre foram parciais no campo eleitoral – fato comprovado pela ausência de maioria parlamentar da esquerda em todos os seus governos.

Em junho de 2013, ocorreram manifestações de rua que, pela primeira vez na história, não foram dirigidas pela esquerda. O descontentamento de grande parcela da população com os serviços públicos e a corrupção na política acabou sendo canalizado contra a esquerda – fato inevitável, considerando que estávamos no governo.

Mesmo com tamanho desgaste, a esquerda conseguiu reeleger Dilma, mas em 2016 veio o golpe que a tirou da Presidência. Em abril de 2018, Lula foi preso, permanecendo encarcerado até 8 de novembro de 2019, sendo retirado da disputa eleitoral de 2018.

Nenhuma força política sairia ilesa diante de todos esses acontecimentos. O desgaste é inevitável.

Outro ponto óbvio, mas importante, é que o ato de governar desagrada muitas pessoas. As políticas implementadas pelos sucessivos governos de esquerda deram atenção a políticas públicas que que colocaram em evidência setores historicamente marginalizados na sociedade, como a população LGBTQIA+, apenas para citar um exemplo. É natural que, em uma sociedade culturalmente conservadora – sim, a maioria da população brasileira é conservadora em relação aos costumes –, uma parcela considerável da sociedade ficasse contrariada e se criasse uma resistência às políticas de esquerda.

Devemos somar a isso outro fenômeno importante: a ascensão da extrema-direita no Brasil. Diferentemente da direita tradicional (formada por partidos políticos que tinham origem na ditadura e cuja força eleitoral estava diretamente relacionada ao acesso a recursos governamentais), a extrema-direita, por não ter uma estrutura partidária, foi se estruturando  em dois seguimentos importantes: a direita evangélica e por meio de movimentos como o Movimento Brasil Livre (MBL), Vem Pra Rua e Revoltados On Line.

A grande mídia brasileira teve um papel crucial nesse processo de consolidação da extrema-direita, basta lembrar da propaganda da Operação Lava Jato, que teve grande importância na consolidação de uma onda antipolítica em geral e antipetista em particular. Em 2018, Bolsonaro foi eleito Presidente. Não cabe neste ensaio tratar desse período, apenas registrar a herança negativa deixada por esse grupo que ocupou a Presidência da República.

Mesmo com todo esse cenário adverso, ganhamos as eleições de 2024, elegendo Lula Presidente.

Cabe registra a tentativa de golpe, em janeiro de 2023, mostrando que a luta de classes cada vez se acirra mais e permanecerá assim por um bom tempo.

Os fatos que brevemente relatei, são para trazer a realidade concreta que nos deparamos. Tratar de uma crise sem entender a realidade em que essa crise acontece nos levará a percepções erradas da conjuntura. Não atuamos no mundo ideal, mas numa realidade objetiva, complexa e contraditória.

Esse ponto é fundamental, a luta política não acontece conforme nossos desejos – grande parte dos problemas da esquerda se dá porque não sabemos lidar com isso –, mas a partir de questões concretas que derivam da correlação de forças, estágio de organização da classe trabalhadora, entre outros.

A necessidade da defesa da democracia (em face dos ataques perpetrados pela extrema-direita) forçou a esquerda a uma série de posturas aparentemente contraditórias que passam pela defesa de instituições como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Note-se que nesse ponto, a extrema-direita soube apreender o sentimento de indignação que estava latente na sociedade contra as instituições políticas e representou o anseio popular de ruptura com o sistema, enquanto que a esquerda representou a manutenção da ordem.

Quem quer debater a crise na esquerda, com objetivo de contribuir para a construção de alternativas, deve levar em conta esse contexto.

Por óbvio que os problemas enfrentados pela esquerda não são apenas externos. A própria esquerda adotou posturas que contribuíram com a crise. Até hoje não fizemos uma análise concreta de nossos governos, sua relação com os movimentos sociais, a relação dos movimentos sociais com o governo, entre tantos outros temas que tiveram os debates bloqueados sob a justificativa de que enfraqueceria o governo.

A atuação institucional foi priorizada em detrimento da ação política de massa. Sempre adiamos o debate estratégico de construção de um projeto político para o país, em favor da atenção às próximas eleições. As disputas intrapartidárias, frequentemente destrutivas para companheiros e companheiras, giram em torno de cargos. Além disso, há um abandono da formação política.

Enfim, o debate precisa ser feito, mas sem catastrofismos. A história não acabou. A questão é que devemos realizar esse debate com o objetivo de construir alternativas para fortalecer a esquerda.

O que deve ser entendido por todos os setores que se enquadram no campo da esquerda é que não podemos abdicar da construção de um projeto emancipador, que seja socialmente justo, que respeite os direitos humanos e a diversidade, sob pena de nos tornarmos irrelevantes politicamente.

Essa é uma contribuição inicial – longe de tentar esgotar o tema – para esse debate tão importante, dentro dos limites desta coluna. No canal do Youtube “A questão Política” pretendo aprofundar mais esse e outros temas que dizem respeito à política. Convido a todas e todos para que se inscrevam no canal. (https://www.youtube.com/@Aquestaopolitica).

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