A mãe tigresa e os meninos carreirinhos de Urucuia

Ano passado, fazia a sesta quando ouvi: "Mãe, depressa, vê!". E ligou a TV do quarto. Deveria ser sério, pois a norma é jamais acordar alguém ou chamar para atender à porta ou o telefone durante as refeições, a não ser em caso de urgência urgentíssima. São normas da criação de minha família original: o sono e o horário das refeições são sagrados.

"Vou adestrar dois carneirinhos pra Clarinha andar de carrinho de boi neles…". Eita Clarinha poderosa, pensei! "Mãe, lembra do carneirinho que eu montava?". Lembrei. Canseira ilimitada. Como esquecer da fadiga de um carneiro em casa, tão-somente para que as crianças usufruíssem do prazer da diversão da montaria? As meninas, já grandinhas, quase não o montavam. O Biel montava sozinho. O Arthur precisava alguém segurá-lo e outra pessoa puxar o raio do carneiro! Via o carneiro e esperneava pra montá-lo.

Dispensei uma babá que dizia que carregar menino em carneiro não era serviço dela! Ela tinha suas razões e eu, as minhas. De dia, o "Bé" ficava amarrado num pé de manga do condomínio; e à noite, no quintal… Um "processo": banho, alimentação e lavar o quintal toda manhã. "Senhora, esse carneiro ainda vai me fazer pedir baixa na carteira! Ô coisa impertinente esse bééééé dele acordando a gente. Os meninos gostam do ‘bichim’, mas ô coisa atentada!". Era a cozinheira quando amanhecia "atacada". Ficou conosco até se formar em pedagogia.

Uma peregrinação descobrir quem fizesse sela e arreios. O pai velho revirou a cidade até encontrar! Ao reclamar que era caro, ele retrucou: "Quer que os outros trabalhem dado? Isso é caro mesmo; luxo é só pra quem pode! Quando fiz pra vocês também era. É sua vez de pagar!". Ao mudar de Imperatriz, a vizinhança queria fazer um churrasco do carneiro! Não com aquele! Morreu de velhice na fazenda.

A linda selinha ficou anos em Beagá. Hoje adorna a parede da sala de nossa casa maranhense. Simboliza um tempo de felicidade. Agora, ela é da poderosa Maria Clara, a minha neta Clarinha. Nunca vi criança, até urbanoide de nascença, resistir a um carneirinho pimpão e pintoso de arreios luzindo. É paixão ao primeiro olhar!

Voltando à tarde em que fui acordada. Na TV, "Os meninos carreirinhos de Urucuia", que adoram brincar de trabalhar. Na chamada do "Globo Rural": "Em Minas, um pai que educa os filhos transmitindo um ofício, orientando as tarefas. Eles andam pra cima e pra baixo com uma miniatura de carro de boi". A conversa hoje é porque reprisou domingo passado. Para apreciá-lo, busque na web "Carreirinhos de Urucuia". E prepare o coração pras coisas brejeiras da roça.

Ao rever o vídeo, foi inevitável comparar com o livro "Hino de Batalha da Mãe Tigresa" (Battle Hymn of the Tiger Mother), que está dando o que falar nos Estados Unidos e na Europa, no qual a autora, Amy Chua, professora da Universidade de Yale, casada com um judeu norte-americano, também professor de Yale, relata a experiência de criar as filhas – Louisa e Sophia – à "moda chinesa": disciplina férrea para tudo.

Os carreirinhos "Transportam coisas para os pais e avós, preenchendo a infância não só com brincadeiras, mas também afazeres e obrigações". E, na escola, vão bem. Indagado se não era exploração de trabalho infantil, Miguel Durães, o pai, foi taxativo: "Futuramente, quero que terminem os estudos; quando forem maior, se quiserem morar na cidade, procurar um emprego, tudo bem. Mas se quiserem continuar aqui, estão preparados".

Decididamente, sou mais Miguel Durães.

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