A religiosidade do povo e os comunistas

A visita do papa Bento 16 põe em relevo uma questão que as forças progressistas do país, dentre elas os comunistas, sempre tiveram em alta conta: a religiosidade de nosso povo. Este fato inclusive reforça a autoridade das forças avançada para criticar

O Partido Comunista do Brasil, o PCdoB, tem hoje mais de 200 mil filiados. À medida que cresce seu contingente e se espraia pelo território nacional, vai se entrelaçando cada vez mais com o povo brasileiro. E uma das marcas de nosso povo é a religiosidade que vem de suas origens. Os comunistas têm a convicção que qualquer partido que queira representar os trabalhadores e o povo precisa ter uma atitude de profundo respeito a essa religiosidade.


 


 


Ao longo da história dos povos, a separação entre Igreja e Estado se deu no curso de revoluções e rupturas. As repúblicas burguesas ou socialistas deram um passo gigante no processo civilizatório ao instaurarem o Estado laico. As repúblicas num itinerário diferenciado separaram o Estado da Igreja e garantiram a liberdade de culto religioso. Jovens repúblicas socialistas em seu nascedouro cometeram erros nesse terreno, alguns até mesmo grosseiros.


 


 


As repúblicas burguesas também erraram. No Brasil, a República separou o Estado da Igreja, contudo a plena liberdade religiosa só seria conquistada depois de dois tremores de terra: a Revolução de 1930 e a II Grande Guerra.


 


É na Constituinte de 1946 que se consagra a liberdade de religião. Nela, o escritor Jorge Amado, deputado constituinte pela legenda comunista, foi autor da proposta que estabeleceu a ampla liberdade de culto religioso no Brasil. Até então, havia liberdade apenas à Igreja Católica Apostólica Romana. Evangélicos, espíritas e afro-brasileiros sofriam discriminações, preconceitos e violências. Na Bahia tal é narrado em Tenda dos Milagres, a polícia espancava populares nos terreiros.


 


 


Dessa maneira, desde há muito os comunistas cultivam o respeito e o apoio à liberdade de culto. Não apenas com palavras, mas com atos políticos concretos.


 


No presente, são variados os episódios e momentos que evidenciam esse compromisso dos comunistas com liberdade de religião. Aliás, são inúmeros exemplos de diálogo e mesmo de ações políticas e sociais conjuntas entre bases do Partido e organizações e lideres de religiões diversas.


 


Não temos dados estatísticos, até porque essa questão é assunto de fórum íntimo de cada militante. Mas ouso estimar que desses 200 mil filiados, mais de 70 por cento pratica ou tem vínculos subjetivos com as crenças ou religiões existentes no país.


 


Desse modo, entre os filiados do PCdoB há muitos que freqüentam templos católicos, evangélicos, espíritas ou terreiros afro-brasileiros. Já na Amazônia, onde temos muitos índios que são comunistas, eles cultivam as crenças que vêm dos seus ancestrais.


 


Dou um depoimento pessoal. Quantas vezes, num passado recente, participando de reuniões do PCdoB, num ermo qualquer da vastidão que é o interior de Goiás, ou na periferia de Goiânia, a reunião teve de se atrasar ou ser adiada porque os militantes daquela localidade tinham compromisso com algum culto religioso! Na Cidade de Goiás, por exemplo, cheguei para um evento partidário e estranhei a ausência da nossa presidenta do diretório local. Logo veio a explicação: ela estava ausente porque estava dando aula de catecismo. Mas isso acontece não apenas em Goiás; assim é por esse Brasil continental.


 


Desde 1985, quando conquistou a legalidade, o PCdoB progressivamente vai soterrando uma série de infâmias que os setores reacionários do país disseminaram contra os comunistas, visando a incompatibilizá-los com o povo brasileiro. Uma dessas infâmias espalhadas refere-se a uma falsa idéia de que os comunistas não respeitam a fé, a prática religiosa. Não apenas com palavras, como já foi dito, mas por intermédio de gestos e atitudes políticas, o povo toma consciência de que o PCdoB que anseia representá-lo cada vez mais, o respeita em todas as dimensões, inclusive, na sua rica dimensão religiosa. Dimensão essa que via o sincretismo, uma bonita mistura, marca e integra a cultura brasileira.


 


 


Para se filiar ao Partido há apenas uma condição: a concordância com o programa e o estatuto partidários. E um dos compromissos do socialismo renovado que o PCdoB defende para o Brasil é o pleno respeito à religiosidade de nossa gente.


 


Por isso tudo julgamos acertada a conduta do governo brasileiro em relação à visita da liderança máxima da Igreja Católica. O Estado e o governo do Brasil sob a chefia do presidente Lula se desdobraram para oferecer o apoio necessário à visita de cinco dias do Papa Bento 16. O esforço idêntico foi empreendido para que os católicos brasileiros participassem ou assistissem pelos meios de comunicação a programação da visita do Papa. Os que não são católicos e os ateus acolheram a visita com respeito.


 


 


O lastimável é que em contraposição a essa hospitalidade, o papa como salientou a própria mídia internacional, chegou ao nosso país “atirando”.


 


Ainda no transcurso de sua viagem, Bento 16 deu declarações de apoio aos bispos mexicanos que anunciaram a pretensão de excomungar os políticos daquele país que apoiaram a descriminalização do aborto na cidade do México. É obvio que o papa tinha amplo conhecimento que por iniciativa de autoridades do governo brasileiro o aborto entrara em debate no Brasil.


 


O ex- presidente da CNBB, Dom Geraldo Magela, antes de deixar o cargo,  ao criticar os programas de educação sexual e de distribuição de preservativos chegou a acusar o governo de “induzir a promiscuidade”. O bispo de Blumenau (SC), Dom Angélico Bernardino, disse que o ministro da Saúde deveria promover mais a saúde, e não a morte, referindo-se à opinião do ministro Temporão de que o aborto deve ser encarado como uma questão de saúde pública.


 


Nessa saraivada de impropérios Dom Filippo Santoro não poupou sequer o presidente Lula. O presidente da República declarara que enquanto individuo é contra o aborto, mas como presidente da República ele proclama que o assunto é objetivamente, uma questão de saúde pública – e como tal tem de ser encarado e debatido pelo Estado.


 


Coerente com sua posição o presidente foi peremptório: “Ninguém é a favor do aborto. A pergunta não é se é contra ou a favor. A pergunta é: a mulher deve ser presa? Deve morrer? É preciso olhar a mulher como ser humano”.  Dom Santoro, retrucou, afirmando que “uma pessoa é uma só” e que não se pode separar a vida privada da vida pública.


 


Na audiência que teve com o presidente Lula, o Papa Bento 16 constrangeu o governo brasileiro ao tentar arrancar o compromisso sobre ensino religioso obrigatório nas escolas, a proibição do aborto, a proibição de pesquisas com células-tronco, entre outras. Exigências que assacam contra o caráter laico do Estado brasileiro ou são questões a serem decididas pelas instâncias democráticas de nossa República. Aliás, o presidente Lula, diante de proposta tão descabida, respondeu: “Vamos preservar e consolidar o Estado laico”.


 


O mundo admira e até inveja a tolerância que há em nosso país entre crentes de todas as religiões e não-crentes. Tolerância não apenas entre os brasileiros, mas também em relação a povos de vários continentes que o Brasil acolheu. Essa é uma das singularidades do jovem e uno e povo brasileiro. O caráter laico de nosso Estado é elemento que impulsiona e garante essa tolerância e essa paz.


 


Não queira o papa ou quem quer seja impor receitas de velhos mundos que resultaram em ódio e rancor entre povos, compatriotas e irmãos.

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